Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Conceito não é preconceito

Texto publicado na coluna "Endireitando", do Jornal Notícia Urbana.
A continuação deste texto, chamada "O direito de não gostar", está aqui.
Com a expansão da internet, muitos conceitos popularizaram-se de forma jamais imaginada até então: a sociedade passou a funcionar em rede, como disse Castells. Foi um avanço, mas um dos temas que mais se difundiu com essa expansão está, ao mesmo tempo, certo e errado: o combate ao preconceito. Certo porque realmente se faz necessário tal enfrentamento quando verdadeiramente de preconceito se tratar… e errado pela forma como a ideia acabou se difundindo, já que tomou-se a exceção como regra e hoje em dia tudo virou preconceito (e tudo vira processo, embora processar seja uma coisa e ganhar a causa seja outra, né?).
As pessoas têm um conceito próprio sobre cada tema e isso é fruto de seus gostos e das experiências que tiveram na vida, sem contar uma série de fatores que só a Psicologia pode explicar (talvez origem familiar, criação, círculo de amizades, religião etc): não é possível a nenhum ser humano ter opinião formada sobre tudo e é por isso que, juridicamente, cada um pode se expressar livremente sobre os conceitos que tem a respeito dos assuntos que bem entender, sem ser tachado de “preconceituoso” apenas porque emitiu uma opinião contrária ao que se entende como “politicamente correto”. O fato é que preconceito é a ideia pré-concebida e nada tem a ver com conceito, gosto e opinião.
No mais das vezes, quando alguém grita “preconceituoso!”, está mesmo a demonstrar sua não aceitação às idéias alheias e sua intenção velada de vencer o debate no “tapetão”. Exemplo disso está no uso exagerado da expressão “crime de ódio”: quem acusa a todos disso no fundo está tentando lançar uma cortina de fumaça sobre sua própria falta de argumentos e complicar a vida de quem apenas manifestou opinião contra um partido ou um regime, por exemplo. 

Acaso criticar a ditadura cubana, pedir cadeia para corruptos ou afirmar que a Europa não tem como dar conta de milhões de refugiados seriam crimes de ódio? Discordar da vinda de milhares de haitianos (e agora sírios) para o Brasil – em tempos de grave crise econômica e aumento do desemprego – é xenofobia? Evidentemente não: são conceitos que a pessoa pode ter ou não e todos podem opinar (ainda que erradamente, porque opinião não é uma dádiva concedida somente aos intelectuais). A não ser assim estaremos formando gerações “sem preconceitos”, pelo simples fato de que ninguém abrirá a boca para falar nada…
Curioso notar que se nos mesmos casos citados acima a pessoa emitir opinião favorável ao que pensam os “intelectualóides” (“intelectuais + debilóides”), ela é aplaudida: o Papa Francisco vive sendo elogiado na mídia por seu discurso em favor dos pobres e sua exagerada simpatia para com regimes de inspiração marxista, mas recentemente defendeu abertamente a família tradicional, sem que se levantasse uma voz contra ele: porque o Papa não é preconceituoso ao assim se manifestar, mas Fulano o será se ousar dizer as mesmas coisas??? 

Se no avião, o deputado ativista das minorias não quiser se sentar ao lado do deputado tido como “reacionário”, estará no seu direito, porque ninguém é obrigado a simpatizar com ninguém (não se pode riscar da face da Terra o velho “não vou com a cara de Fulano”). Mas… e se acaso fosse o deputado “reacionário mau” quem se recusasse a sentar ao lado do “ativista bonzinho”??? 

Quem torce por um time e não gosta de outro age de forma preconceituosa? Não: é um conceito sobre qual é o time adequado para tal pessoa torcer. E não é preciso conhecer todos os clubes para depois optar por um deles. Como futebol não é assunto para seminaristas, o mesmo vale quando a arquibancada xinga o adversário que fez gol e veio tirar onda em frente à nossa torcida (ou nosso atacante que perdeu o pênalti decisivo). Quando se acha bonita ou feia uma modelo ou um ator, quando se gosta ou não de um gênero musical ou quando se é indagado sobre alimentos transgênicos, família, ações afirmativas e temas afins, é direito de cada um ter e manifestar livremente sua opinião. Quem acha que mulheres muito musculosas ficam feias porque mais se parecem com homens fortões é preconceituoso? É obrigatório ser a favor das cotas raciais, por acaso?
A título de se “humanizar a internet” o que se tem feito é patrulhar as idéias alheias, aplicando uma espécie de censura digital, como se vê nas redes “antissociais”, onde em nome do “combate à intolerância” nenhuma ideia divergente é tolerada, como se fosse proibido discordar das chamadas “minorias”. Quando uma torcida apelida a outra não se pode esperar que daí surja um elogio… mas no mundo de hoje a repórter passa descompostura no torcedor entrevistado que chamou os adversários pelo apelido! 

Se os Mamonas Assassinas surgissem hoje com seu humor escrachado fazendo piada de tudo e de todos não seriam o fenômeno que foram há 20 anos: seriam é presos… Se o sujeito acha que musicalmente o “funk proibidão” é um lixo, isso é só opinião: o funkeiro também tem o direito de detestar rock ou música erudita e de dizer que acha um lixo, pois em sua visão o verdadeiro movimento cultural é o que incentiva meninas de 10 anos a fazerem o tal “quadradinho de oito”.
O que as pessoas fazem questão de esquecer é que juridicamente ninguém pode ser punido por “ser” (ou pensar) deste ou daquele jeito. Assim, todo mundo tem o direito de ser simpático, antipático, “emo”, punk, altruísta, egoísta, gótico, funkeiro, gay, hétero, feminista ou o que for. Curiosa e paradoxalmente esse raciocínio também nos obriga a aceitar que todo mundo pode em seu íntimo ser “machista”, “preconceituoso”, “racista”, “xenófobo”, “neonazista” ou o que for, porque tudo é conceito. 

O Direito só pune o “fazer”, o externar uma conduta e mesmo assim se ela for anteriormente definida como crime (vestir-se como “punk” não é crime, por exemplo) e é por isso que quem pratica atos de racismo pode e deve ser punido, mas quem em seu íntimo é racista não pode, por não ter externado qualquer ato contrário às leis, que têm como racismo apenas atos de segregação, não xingamentos (caracterizam injúria, não racismo). O mesmo se diga em relação a quem simpatiza com a tática dos “black blocks”, mas não pratica atos de vandalismo nem se associa àqueles para cometer crimes.
Talvez, em razão da sutileza da diferença entre o “ser” e o “fazer”, é que nossa sociedade em rede transforma em vilão qualquer um que destoe do que se convencionou como padrão de comportamento, como se fosse possível a algum grupo deter o monopólio das qualidades: resta aos que pensam de forma diferente apenas suportar o pesado fardo de ter que se defender de acusações de discriminação, preconceito, racismo, misoginia, homofobia… Ironicamente conclui-se que não há preconceito maior do que o sofrido pelos bêbados: ninguém atura bêbado e “se bater, bateu em bêbado; se apanhar, apanhou de bêbado” (sem contar que “o … de bêbado não tem dono”)… rsrsrsrs
Assim, o sujeito que fala em tom de brincadeira que “baiano é preguiçoso”, que “português é burro” ou que “campista… nem fiado, nem à vista”, corre o risco de ser tido como preconceituoso, ainda que estivesse claramente fazendo uma piada (é simples: piadas podem ter graça ou não). Já houve caso em que um humorista contou uma “piada de gordo” e um homem – gordo – saiu da plateia, subiu ao palco e esbofeteou o artista – em nome da tolerância, claro!. Curiosamente, quem faz piada de “loira burra” (o que seria de Gabriel, O Pensador, se lançasse uma segunda parte de “Lôraburra”, com o nome de “Nêgaburra”?), quem diz que a crise é “coisa de gente branca de olhos azuis” ou fala que manifestações contra governantes são coisa da “elite branca paulista” nunca é acusado de nada (e não é nada mesmo: sensata ou não, é só opinião). Claro, há quem tente explicar isso como se fosse concedida uma espécie de licença para “o oprimido oprimir o opressor”: é que fascistas adoram chamar todos que discordam deles de “fascistas”, para que ninguém os acuse de… fascismo!
Se uma pessoa se depara na rua com um cidadão maltrapilho e fedorento, irá imaginar tratar-se de um mendigo, por causa de suas vestes, ainda que se trate de um advogado formado em Harvard ou um antigo integrante de uma banda famosa; se alguém encontra na saída da escola um senhor de 60 anos dando a mão a uma criancinha e supõe tratar-se do avô, ainda que se trate do pai, não estará sendo preconceituoso: normalmente a paternidade vem antes dos 40, e na faixa dos 60, o homem já é avô, e isso é só a observação do que geralmente ocorre. Se uma pessoa se depara no shopping com alguém com o cabelo pintado de azul, roxo, amarelo e rosa é possível que ache feio e não há nada de errado nisso: é apenas… gosto!
O sempre lúcido Rodrigo Constantino disse em artigo publicado no jornal O Globo*: os indivíduos razoáveis preferem muitas vezes ficar de boca fechada sobre assuntos mais controversos, para evitar a fúria de uma minoria raivosa e organizada, que consegue intimidar eventualmente até uma maioria silenciosa. Trata-se de uma polícia do pensamento cada vez mais agressiva, que não mede esforços em rotular com adjetivos nefastos aqueles que discordam de sua seita. (…) O ponto não é mais discutir de forma apaixonada sobre o que você defende ou acredita, e sim argumentar que o outro lado não deveria se manifestar. Ele é “ruim” em suas intenções, “malvado”, e não deve ter direito de ser sequer oferecido como uma visão alternativa.”
O fato é que ninguém consegue ter uma ideia acabada sobre tudo e por isso é inevitável que em determinados casos o cidadão tenha a tendência de gostar do que lhe parece conhecido e se afastar do que lhe parece novo. Mas numa democracia convive-se bem com as opiniões divergentes: pode-se discordar, mas é errado satanizar o que os outros pensam, como se a virtude pertencesse somente a determinados grupos. 

Temos que tolerar até mesmo as opiniões que achamos absurdas (desde que não sejam, por si sós, ofensivas, claro) e, por outro lado, ninguém tem o “direito de não se sentir ofendido”: há, sim, o “direito de não ser ofendido”, o que é bastante diferente. E é preciso repensar esse conceito “preconceitista” (ver preconceito em tudo), porque estamos criando uma geração que não aceita ouvir um “não” e onde todo mundo se sente ofendidinho por qualquer coisa, tendo por método chamar de preconceito todo e qualquer conceito alheio discordante. Daqui a 20 anos veremos o estrago.

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