Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Farol aceso de dia só em rodovia (ou "Não existe 'trecho urbano de rodovia'")

Temos visto recentemente mais uma lenda urbana se espalhar pelo país. Trata-se de mais um daqueles casos em que a lei determina uma coisa e as pessoas (e até autoridades) espalham outra*: "agora tem que andar com o farol aceso de dia", é o que se fala e o que temos visto no dia-a-dia nas cidades desde que entrou em vigor a nova redação do artigo 40, inciso I do Código de Trânsito (abaixo a versão revogada seguida pela que está em vigor, com a mudança em destaque):

Imagem: Revista Autoesporte
Art. 40. O uso de luzes em veículo obedecerá às seguintes determinações:
        I - o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa, durante a noite e durante o dia nos túneis providos de iluminação pública;
        I - o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa, durante a noite e durante o dia nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias.    

Assim sendo, fica claro que a única coisa acrescentada pela nova lei foi a necessidade de acender o farol do carro quando se estiver numa rodovia. Mas as pessoas saem repetindo o que ouvem e simplesmente não leem o que está previsto na regra. 


Quase ninguém reparou, mas segundo o Anexo I do Código de Trânsito, rodovia é uma "via rural pavimentada". Além disso o mesmo anexo define o seguinte:

"PERÍMETRO URBANO - limite entre área urbana e área rural; 
VIA RURAL - estradas e rodovias; 
VIA URBANA - ruas, avenidas, vielas, ou caminhos e similares abertos à circulação pública, situados na área urbana (...)"

Então não existem rodovias dentro de cidades, já que aquelas só existem em áreas não urbanas. Por tal motivo esse papo de que "os motoristas devem acender o farol baixo inclusive nas rodovias que cortam trechos urbanos" e de que "a lei exige o farol aceso em toda a rodovia"  me parece mais indústria de multa do que cumprimento da leinão faz sentido o cidadão estar trafegando naquilo que para todos é uma avenida ou rua - mas que coincidentemente também é trecho de rodovia, independente de haver concessão ou não - e ter que cumprir a nova regra.

Assim, punir o motorista que dirige dentro da cidade com os faróis apagados apenas porque se trata no papel de "trecho de rodovia" seria injusto, desproporcional, fora da realidade e ilegal, tendo em vista a definição prevista no CTB, destacada acima: é evidente que o espírito da lei não é obrigar o motorista a acender o farol numa avenida que coincidentemente é rodovia, desligá-lo ao fazer um retorno numa rua transversal e ligar o farol de novo após o contorno, pelo simples fato de que isso não faz sentido.

Para completar, o DENATRAN não emitiu interpretação a respeito. Sabe-se pela imprensa que no caso dos carros que têm "luz diurna" não é necessário acender o farol, o que é até uma questão de Lógica. Mas a autoridade precisa deixar clara a situação referente aos trechos urbanos de rodovias (que rodovias não são, mas que para fim de multar o cidadão passaram a ser), porque depender apenas do bom senso do agente fiscalizador nem sempre é algo simples.

* Foi assim que se espalharam tanto a ideia de que "basta o pedestre pisar na faixa que os carros têm que parar" (aqui e aqui) quanto o indiscriminado uso de prioridades em estabelecimentos particulares (aqui), quando a lei diz que isso só ocorre nos órgãos públicos e concessionários de serviços públicos...

** O Jornal Nacional fez uma reportagem sobre o tema: veja