Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

terça-feira, 28 de abril de 2020

Como um bumba-meu-boi sem capitão

Bumba-meu-boi
Ao deixar a decisão sobre o que fazer na pandemia nas mãos de 27 governadores e 5.570 prefeitos, o STF não garantiu o combate ao coronavírus: institui o caos jurídico, por ter tirado do governo federal a possibilidade de enfrentar nacionalmente uma questão mundial. Na verdade, para não substituir a vontade do Executivo, o Judiciário liberou os Executivos estaduais e municipais para substituírem. Logicamente, virou um bumba-meu-boi sem capitão, como diria Alceu Valença.

Conforme a cidade ou estado é possível se ver barricada, barreira sanitária*, estradas fechadas, prisão por não usar máscara, por abrir comércio, por sentar no banco da praça ou não impedir que alguém entre num estabelecimento sem máscara (essa é a melhor de todas) ou por caminhar na praia... condenados ganham liberdade... agentes públicos entram nas casas sem autorização... hospitais de campanha são superfaturados com o argumento "calamidade pública"... há até quem pretenda organizar "cadastro das pessoas que são contra a quarentena", para que os médicos não as atendam em caso de doença... Em suma: é uma festa, uma verdadeira pirotecnia jurídica!

A única coisa comum a todos os cantos do país é: quarentena só para quem produz! Comércio, setor de serviços, eventos, indústrias, repartições públicas... nada pode funcionar para "evitar aglomerações", mas a depender do lugar, supermercados, farmácias, oficinas, lojas de água, ração, material de construção e óticas funcionam: lá não tem vírus. Como também não tem nos bailes, filas para receber comida, feiras livres...

O raciocínio é  mais ou menos assim: razoabilidade? Economia? Meio termo??? Bom senso? Não me venham com essas baboseiras! Constituição??? Leis??? Para quê, se temos os decretos??? Dá uma canetada e resolve tudo: sempre citando que foi o STF quem autorizou, todo mundo quer aparecer com as belas frases "saúde em primeiro lugar" e "temos que cuidar das pessoas", mas na hora que a onda da recessão atropelar todos, não serão Municípios nem Estados que resolverão os problemas causados por eles mesmos ao adotarem a quarentena horizontal e não a vertical: todos correrão a pedir dinheiro à União!

Na hora de baixar decreto proibindo uso de máscaras, proibindo moradores de outras cidades de entrar e mandando prender quem estiver na rua os municípios o fazem a jato! Deveria, no mínimo, ser lei, porque os Legislativos estão funcionando. Mas quando é para liberar o funcionamento do comércio, dizem não poder porque "tem que esperar determinação do Estado"; outros querem liberar exatamente para passar por cima do Estado... Eis a ingovernabilidade gerada pela decisão do STF, que eu acusei logo no primeiro momento: o governo federal fica de pés e mãos atados no controle do país! Só lhe é dada a opção de aderir ao discurso da OMS...

Caixa em Campos, 28/04/2020
Por outro lado, as pessoas estão desesperadas pelo auxílio emergencial, pois quem tem emprego não pode trabalhar; quem tinha está perdendo e quem não tinha está passando fome. É por isso que as pessoas se aglomeram nas portas dos bancos: é impossível dizer "fique em casa" para quem nada tem para comer na geladeira! E, como ninguém ousa tentar impedir as pessoas de retirar o dinheiro, na prática é assim: aglomerar para trabalhar não pode; aglomerar para sacar R$ 600,00 pode e ninguém é doido de tentar atrapalhar.


Sugestão: prendam logo todo mundo!!! Que belo exemplo daremos!!! Já que os bandidos estão soltos, quanto mais pessoas de bem presas, maior o isolamento!!! Daremos ao mundo uma lição de combate ao vírus - mas tiraremos nota zero em democracia..

*Na verdade o objetivo é proibir o direito de ir e vir, porque exige comprovante de residência, o que nada tem a ver com o vírus. 

"Como um bumba-meu-boi sem capitão" é um dos versos de
"Na Primeira Manhã", gravada por Alceu Valença em 1980.

sábado, 18 de abril de 2020

Calma: o Exército não acha que precisaremos de muitas covas!

EM PRIMEIRO LUGAR: CALMA. LEIA O TEXTO A SEGUIR E REFLITA.
Está havendo um rebuliço por causa de um ofício do Exército (clique na figura ao lado para ampliá-la) pedindo informações sobre a capacidade dos cemitérios. O ofício é verdadeiro, mas as conclusões que se pode tirar dele nada têm a ver com o que se está alardeando por aí, no sentido de que "se o Exército quer saber isso é porque está prevendo coisa ruim". Nada disso. Eu explico:
Eu servi ao Exército por cinco anos. Cursei escola militar, fui Sargento de carreira e dei baixa por iniciativa própria. Em determinado período, fui responsável durante alguns anos por reunir informações do Plano de Evacuação Ferroviária de Angra dos Reis em caso de acidente na usina nuclear: isso é algo normal na mobilização do Exército, porque a Força age traçando vários panoramas, ainda que estejam distantes de acontecer (como a evacuação ferroviária de Angra - e até hoje não houve acidente lá).
Então esse ofício não se baseia no fato de o Exército "saber que vão acontecer muitas mortes": visa reunir informaçõesNão é que haja uma projeção ruim, nada disso... Exemplo: o Exército mantém por cinco anos as informações de TODOS os reservistas e como seria feita a convocação deles em caso de guerra. Há projeção de guerra??? NÃO!!! Até quando alguém se forma piloto civil, ingressa na Polícia ou Corpo de Bombeiros isso é informado à mobilização do Exército, para dar outros exemplos.

Assim sendo, não se pode concluir que o Exército esteja prevendo a necessidade de muitas covas (como fizeram algumas pessoas que apostam no "quanto pior, melhor", como políticos e setores da imprensa e outras que simplesmente ficaram com medo): eles estão reunindo informações para saber como seria o pior dos quadros, provavelmente. E isso é problema da Logística do Exército, não tem que seguir a lógica civil.
Suspeito que tenham olhado a situação catastrófica ocorrida na Itália e agora no Equador e, como o ofício é oriundo da Seção de Serviço Militar (os dados serão enviados à Diretoria Geral de Pessoal), devem estar pensando na EVENTUAL, POTENCIAL, SUPOSTA necessidade de convocar reservistas para ajudar SE UM DIA, TALVEZ QUEM SABE, houver necessidade. Ou para projetar locais para sepultamento CASO HIPOTETICAMENTE, NO PIOR DOS QUADROS, precisemos.
Mas o Exército não tem que dar satisfações a respeito de como age para proteger o país, até porque isso eles fazem muito bem. Ainda assim, divulgou Nota oficial afirmando que o objetivo do ofício foi “tão somente coletar dados para um dos cenários levantados” porque “o Comando Conjunto Leste (...) planeja sua atuação com base no LEVANTAMENTO DE CENÁRIOS HIPOTÉTICOS, visando mitigar os efeitos nocivos da pandemia junto à sociedade”. (destaquei)

sábado, 11 de abril de 2020

Como um conde falando aos passarinhos: ainda temos uma Constituição ou vamos matar o motorneiro e comê-lo com farofa?

Rubem Braga escreveu em sentido figurado algo que demonstra sua genialidade:

"O essencial é falar ao motorneiro. O povo deve falar ao motorneiro. Se o motorneiro se fizer de surdo, o povo deve puxar a aba do paletó do motorneiro. Em geral, nessas circunstâncias, o motorneiro dá um coice. Então o povo deve agarrar o motorneiro, apoderar-se da manivela, colocar o bonde a nove pontos, cortar o motorneiro em pedacinhos e comê-lo com farofa".

Em meados de março de 2020 o coronavírus nos trouxe a "quarentena horizontal" e a confusão social se instalou, evidentemente. Desde 20 de março - em voz quase que isolada - comecei a questionar a necessidade de manutenção do "isolamento social" e a afirmar que a Economia não pode parar: sou leigo, mas posso pensar.

Embora eu tenha sido tachado de várias coisas que não sou, perdido amigos e tido como alguém que "semeia no deserto", essa forma de ver a cada dia é compactuada por mais pessoas, que querem a gradual volta à normalidade.

Na ocasião comecei a pesquisar os aspectos jurídicos da questão e deparei-me com o seguinte quadro: nunca houve ordem para as pessoas ficarem em casa. Há, sim recomendação do Ministério da Saúde, tendo por base a OMS. Sabemos também que não foi decretado estado de defesa pelo Presidente e que há uma lei que trata especificamente da Covid-19, a 13.979/20, que em seu artigo 2º prevê:
I - isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas (...), de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e
II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes (...), de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.

Por aí se vê que a Lei do Covid estabelece uma quarentena vertical, dado só a exigir para doentes e suspeitos... mas esse comando normativo tem sido solenemente ignorado por estados e municípios e, pior, com a chancela do Supremo Tribunal.

As questões são: poderiam municípios e estados decretar, na prática, estado de defesa, com o fechamento por prolongado tempo de comércio e demais atividades? Alguém pode ser preso por andar na rua? A competência comum aos entes federados para cuidar da saúde daria margem à sobreposição de quase 6 mil ordens diferentes, dado o número de estados e municípios? O Supremo tem atribuição constitucional para definir políticas públicas e negar à União o direito-dever de cuidar dos interesses nacionais (já que aos estados cabe o interesse regional e aos municípios o interesse local)
Todas as respostas são "NÃO!" Pretendo comentar cada particularidade constitucional e legal do caso em postagens separadas, porque numa só o texto ficaria muito extenso. Temos tempo para isso!

Por enquanto deixo só uma indagação: é producente matarmos o condutor do bonde e comê-lo com farofa?


"Como um conde falando aos passarinhos" é um dos versos de "Na Primeira Manhã", de Alceu Valença, gravada em 1980 e que faz referência ao livro de estreia de Rubem Braga, chamado "O Conde e o Passarinho", lançado em 1936.