É comum que as pessoas recorram à liberdade de expressão para defender o que elas falam, mas não a garantam aos demais nos mesmos moldes quando há discordância. Isso é lamentável.
Eu fujo disso: quem discorda de mim tem todo o direito de dizer o que pensa e eu tenho o direito de responder. Dentro da boa educação a divergência é absolutamente normal: eu falo o que penso, com respeito às opiniões dos outros. Posso ser enfático, contundente, mas não sou ofensivo: quando escrevo busco não ofender ninguém e em 99,9% dos casos acho que consigo isso.
Mas "respeitar o direito dos demais à livre manifestação do pensamento" é completamente diferente de "curvar-se ao pensamento dos demais" e infelizmente hoje em dia as pessoas só querem a segunda opção. Lamento: fico com a primeira!
Não mudo para agradar, para fazer graça para ninguém e não sou obrigado a concordar com teses levantadas aqui e ali. Mudo de opinião - sem problema algum - quando estou errado e isso acontece com muito mais frequência do que muitos podem supor. Se eu tenho o direito de dizer besteiras, muito mais direito tenho de ter opinião!!! Fora isso cada um pensa o que quer, o que é fundamental num país ainda livre.
Lisboa Revisitada
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), 1923
NÃO: Não quero nada.
Já disse que não
quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não
me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu,
das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização
moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o
direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o
contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a
todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço.
Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da
companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora
de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois
que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio
quero estar sozinho!