Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

segunda-feira, 20 de março de 2017

Os coitadinhos

O texto a seguir foi publicado em 25 de fevereiro de 2001 no Jornal Folha de São Paulo e é de autoria de Clóvis Rossi (adaptei):

"Anestesiada e derrotada, a sociedade nem está percebendo a enorme inversão de valores em curso. Parece aceitar como normal que um grupo de criminosos estenda faixas pela cidade e nelas fale de paz. Que paz??? Não foram esses mesmos adoráveis senhores que decapitaram ou mandaram decapitar seus próprios companheiros de comunidade durante as recentes rebeliões? 

A sociedade ouve em silêncio um juiz titular de Vara de Execuções Penais  dizer que não vai resolver nada a transferência e isolamento dos líderes das facções criminosas. Digamos que não resolva. Qual é a alternativa oferecida pelo juiz? Libertá-los todos? Devolvê-los aos presídios, dos quais gerenciam livremente seus negócios e determinam quem deve viver e quem deve morrer? 

Vamos, por um momento que seja, cair na real: os presos, por mais hediondos que tenham sido seus crimes, merecem, sim, tratamento digno e humano. Mas não merecem um micrograma que seja de privilégios, entre eles o de determinar onde cada um deles fica preso.

Há um coro, embora surdo, que tenta retratar criminosos como coitadinhos, vítimas do sistema. Calma lá! Coitadinhos e vítimas do sistema, aqui, são os milhões de brasileiros que sobrevivem com salários obscenamente baixos (ou sem salário algum) e, não obstante, mantêm-se teimosamente honestos. Coitadinhos e vítimas de um sistema ineficiente, aqui, são os parentes dos abatidos pela violência, condenados à prisão perpétua que é a dor pela perda de alguém querido, ao passo que o criminoso não fica mais que 30 anos na cadeia. 

Parafraseando Millôr Fernandes: ou restaure-se a dignidade para todos – principalmente para os coitadinhos de verdade – ou nos rendamos de uma vez à Crime Incorporation."

Atual, não?

domingo, 5 de março de 2017

O direito de não gostar: conceito não é preconceito (continuação)

A primeira parte de "Conceito não é preconceito", de 2015, está aqui.

Perguntas:
1 - Todos têm o direito de não gostar de Donald Trump, Alexandre Frota, Ivete Sangalo, Claudia Leitte, do cabelo da "Mendigata"? R: Sim, têm. 
Fernanda Lacerda,
a Mendigata
 
2 - Todos têm o direito de não gostar de Barack Obama, Eddie Murphy, Annita, Ludmilla e do cabelo de Cris Vianna? R: Sim, têm. 

O que boa parte da imprensa tem feito questão de esquecer hoje em dia é que é normal não gostar de alguém, até porque ninguém é obrigado a simpatizar com quem quer que sejaEu, por exemplo, gosto muito do Trump, concordo com algumas ideias (e discordo de outras) do Frota, sou apaixonado por Ivete Sangalo, morro de rir com Eddie Murphy, não suporto Claudinha, não gosto de Anitta e Ludmilla (essas moças não cantam!). Quanto ao cabelo, acho o de Cris Vianna tão lindo quanto ela e penso que o da também linda "Mendigata" a deixa horrorosa

Cris Vianna
Os problemas sobre o tema são intencionalmente criados pela imprensa, de forma seletiva, direcionada a criar polêmica mesmo: quando alguém resolve não gostar de Jean Willys, Barack Obama, do MST ou de Maju Coutinho (atual moça do tempo do JN) corre sério risco de que a gritaria generalizada troque o foco do assunto para "preconceito", "discriminação", "racismo" ou até "fascismo", quando é apenas "gosto". 

Ora, se nada disso é cogitado quando alguém detesta Alexandre Frota ou Olavo de Carvalho, por que se fala disso quando alguém não suporta Jean Willys e sua indisfarçável heterofobia, travestida de 'defesa de igualdade'? Quem não gosta do cabelo da Mendigata tem 'opinião', mas quem não gosta do cabelo de Ludmilla é 'racista'? Gabriel O Pensador apenas exerceu sua liberdade de expressão quando gravou o sucesso "Lôraburra", mas seria acusado de racismo se cantasse versos praticamente idênticos, mas cujo refrão fosse "Nêgaburra": é essa paranoia que não tem explicação!

Quem não gosta da família tradicional pode defender "novas formações familiares": isso é garantido pela democracia. Mas por que motivo é hoje tão arriscado defender a família como Deus fez? Por que motivo os defensores da "nova família" tratam toda e qualquer discordância como absurda, preconceituosa ou inaceitável? O jogo democrático é via de mão dupla e não cabe a um dos lados exercer uma pretensa superioridade moral, como faziam os black blocks e mais recentemente os vândalos de Berkeley.

Em 2015 o craque Yayá Touré* falou à France Football sobre os jogadores africanos:

"Africanos têm tendência a afrouxar. Vivem num mundo próprio. Acham que já conseguiram, que são os melhores, os mais fortes. Não entendem que existem muito mais montanhas para subir até chegar ao topo. Infelizmente, só veem o lado bom do trabalho: as garotas, as festas, os carros e as roupas. E desistem rápido demais da ideia de alcançar os melhores jogadores. Muitos estão contentes com pouco. Mandam dinheiro para casa e estão seguros pelos próximos anos. Tenho o sentimento de que se proíbem de sonhar alto, com uma resignação fatalista. Acreditam que o máximo nível não é para eles".

Trata-se da opinião dele, que não concorda com o jeito que seus conterrâneos encaram os desafios do futebol: nada demais. Mas o que aconteceria se alguém tão por dentro do futebol quanto o africano Touré – mas que fosse branco e louro como David Beckham – dissesse a mesmíssima coisa? Também não deveria haver questionamento algum, mas alguém duvida de que o mundo desabaria sobre ele, com acusações de racismo, manifestações, petições on-line, perda de contratos, "desconvites" para eventos etc? Ou será que Touré, por ser negro, tem direito de falar o que bem entender e Beckham, por ser branco, não o tem?

No artigo intitulado "Fim de Papo", Rodrigo Constantino disse:

George Orwell descreveu em “1984” o inferno que seria viver num mundo dominado pelo “Grande Irmão” (...) O que ele não poderia ter previsto é um mundo dominado não por um, mas por milhões de “pequenos irmãos”, todos atentos a cada comentário nas redes sociais, para verificar se estamos seguindo de perto a cartilha do politicamente correto. Essa patrulha demonstra um grau de intolerância com as divergências diametralmente oposto ao grau de tolerância que alega defender. Os patrulheiros falam em nome das “minorias”, desejam salvar o planeta, combatem todo tipo de preconceito e amam todos, desde que se encaixem exatamente no perfil “correto” que eles mesmos possuem. Desviou uma vírgula, fogo no herege!

Em "O Direito de Ser Incorreto", o indefectível Alexandre Garcia escreveu sobre o Brasil:

"Os governos (...) foram separando os brasileiros por cor da pele, por etnia e por preferências sexuais. Sempre pensei que todos fôssemos brasileiros.  Agora só posso bater boca com alguém que tenha a mesma cor ou os mesmos cabelos que eu, ou o mesmo peso, ou vão me acusar de preconceituoso.

Após ser virtualmente linchada e ameaçada de morte, estupro e espancamento por ter dito não ter certeza de que bicicletas seriam uma alternativa viável de transporte em São Paulo, Mônica Waldvogel publicou na Folha de São Paulo o artigo "Máxima Culpa":
Ativistas de qualquer causa estão sempre atentos e bem municiados. A barafunda de argumentos, ofensas e desqualificações com que atacam é tão avassaladora que a retratação do pecador é inócua. Tornar alguém um saco de pancadas pela maior duração possível é o modo de operar da luta política no século 21. (...) Ativistas parecem lutar por um direito intangível e inacessível: o de não serem ofendidos pela opinião dos outros. Esse é um mundo impossível. 
O que poucos têm se lembrado é que desde que a pessoa não ofenda ninguém nem incite a violência contra quem quer que seja, nenhuma lei, de nenhum país, jamais vai poder proibir as pessoas de exercerem o direito de não gostar, ainda que os ativistas mimados e desocupados não gostem disso: eles têm o direito de não gostar (o mesmo que a democracia lhes garante e que eles  se dizendo tolerantes  negam a quem deles discorda  em clara atitude de intolerância).

*Um dos africanos de maior destaque no futebol mundial nesta década,
eleito quatro vezes o melhor jogador da África, que joga no meu Manchester City.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Unplugged

O antológico disco "Unplugged", lançado em 1994 por Gilberto Gil, é uma daquelas obras atemporais: é simplesmente perfeito! Repertório da melhor qualidade, interpretação perfeita, músicos incríveis...
Embora não tenha sido o primeiro "Acústico MTV"*, foi o primeiro da série a ser lançado para o grande público, com absoluto sucesso, dada a incomparável qualidade vocal e musical de Gil (como nos potentes agudos de "A Novidade) e sua banda.
23 anos depois ainda é possível admirar, por exemplo, a percussão de Marcos Suzano, naquela que - para mim - é a melhor performance individual até hoje de um percussionista em discos de MPB. Gilberto Gil Unplugged: