Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).
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domingo, 8 de janeiro de 2017

Jogando a criança fora junto com a água da bacia: lei campista que proíbe remoção de veículos quando o dono estiver presente é ilegal e inconstitucional

Lei 8.749/17
Por vezes o legislador pretende fazer boas coisas, mas extrapola suas atribuições ou, a título de corrigir determinados males, acaba criando outros. Às vezes a autoridade que sanciona uma lei tem a melhor das intenções, mas acaba criando um monstro. Foi o caso da Lei nº 8.749, de 04 de janeiro de 2017, do município de Campos/RJ: visando combater pontuais erros e desmandos de alguns agentes de trânsito (leia), a lei acaba por inviabilizar o trabalho da imensa maioria, que trabalha corretamente. Vejamos (grifos nossos):

Art. 2º- A medida administrativa de remoção do veículo por reboque público ou por empresa prestadora de serviços neste Município, só será cabível quando o responsável pelo veículo não estiver presente para efetuar a sua remoção.

De acordo com a regra agora em vigor na cidade de Campos, estando o dono ao lado do carro, poderá estacionar em frente a uma garagem, ocupar a vaga de uma ambulância, parar na vaga reservada a idosos, "bater pega", trancar cruzamentos, dar "cavalinho-de-pau", parar em frente a hidrantes ou pontos de ônibus, estacionar na ciclovia, em fila dupla ou na contramão... 

Criou-se situação esdrúxula! Campos criou uma nova figura jurídico-administrativa: pasme-se, mas na parte final do artigo acima quem tem que "efetuar a remoção" de veículo irregularmente estacionado é o próprio dono, não sendo a mesma cabível quando o responsável pelo veículo estiver presente". Assim sendo, em Campos o motorista pode transgredir as regras, admitir que está errado e ainda assim olhar para o Guarda e afirmar categoricamente que não vai remover o carro nem permitir que outra pessoa ou órgão o faça, apenas por estar presente ao local onde ele próprio cometeu uma infração... e ainda assim estará fazendo apenas o que a lei lhe permite!!! Traduzindo: o Guarda de Trânsito em Campos virou um fantoche, uma marionete na mão dos motoristas, sejam eles cumpridores das leis ou não; o motorista cumpridor das regras de trânsito em Campos virou otário; o motorista que, estando errado, "permitir" a remoção do carro virou "boca aberta"... Mas a lei não para por aí:


Art. 3º, Paragrafo Único - Servirá de prova da presença do responsável pelo veículo, dentre outros meios de prova, foto e/ou filmagem do momento do içamento do veículo, em que na imagem possa ser identificado o responsável, o veiculo e o reboque, não podendo o agente ou funcionário obstar ou dificultar a obtenção da prova.

Art. 4º - Presente o responsável pelo veículo estacionado irregularmente e se mesmo assim for efetuada a remoção, ocorrerá:
I - Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a ser paga por quem, na inobservância desta Lei rebocou e/ou autorizou o reboque.

II - Suspensão por 30 (trinta) dias ao Agente de Trânsito que determinar a remoção do veículo estando seu responsável presente.

Fica claro que a lei não atende ao princípio da razoabilidade: por mais absurda que seja a transgressão, que Guarda vai querer determinar que um carro seja rebocado se sabe que, aparecendo o dono, uma "selfie" do momento do reboque lhe custará multa de mil reais e ainda suspensão por trinta dias (consequentemente sem salário)? Como a lei parte do princípio de que todos os Guardas fazem remoções de veículos de forma abusiva, o serviço de fiscalização das infrações de trânsito ficará seriamente prejudicado, pois o máximo que o pessoal da área fará será anotar a multa e sair de perto: a título de exemplo, se o dono aparecer após o Guarda ter pacientemente esperado por meia hora, chamado o reboque, colocado os lacres nas portas e içado o veículo à carroceria do caminhão... mas ainda assim a "selfie" for feita nesse último momento, mesmo que o motorista esteja de má-fé todo o serviço estará perdido e quem se dá mal não é o infrator e sim o Guarda! 

Art. 5º - A multa imposta no inciso I do Art. 4º será revertida ao proprietário do veículo como antecipação de indenização por perdas e danos, independentemente das medidas judiciais que por ventura o proprietário venha promover.

Ocorre que, por uma questão de formalidade, essa lei é claramente inconstitucional, pois só a União pode legislar sobre trânsito e transporte (competência privativa), conforme previsto na Constituição da República, sendo que não há lei complementar que autorize nem mesmo os Estados a fazê-lo, quanto mais os Municípios, que só podem suplementar regras:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
.........
XI - trânsito e transporte
.........
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

O Código de Trânsito delimita a atuação municipal:


Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:      (Lei 13.154/15)  
        I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;
.........
        VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;

Interessante notar que em seu artigo 1º fica claro que a Lei campista pretende dar cumprimento às regras que coíbem o estacionamento irregular de que trata o artigo 181 do CTB, mas acaba por inviabilizá-lo, em razão do seguinte: há clara confusão entre os temas "retenção" (art. 270 do CTB, quando é possível sanar a irregularidade no local da infração) e "remoção" (abaixo) e em razão disso entende a lei que esta pode ser obstada pela presença do motorista, quando não pode (bom senso ajuda sempre). A prova de que a lei campista está errada está no fato de que o Código de Trânsito prevê a notificação do proprietário por ocasião da remoção do veículo:


Art. 271. O veículo será removido, nos casos previstos neste Código, para o depósito fixado pelo órgão ou entidade competente, com circunscrição sobre a via.
           § 1o A restituição do veículo removido só ocorrerá mediante prévio pagamento de multas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica. (Lei 13.160/15)  
.........
         § 4º  Os serviços de remoção, depósito e guarda de veículo poderão ser realizados por órgão público, diretamente, ou por particular contratado por licitação pública, sendo o proprietário do veículo o responsável pelo pagamento dos custos desses serviços.       (Lei 13.281/16)  
       § 5o O proprietário ou o condutor deverá ser notificado, no ato de remoção do veículo, sobre as providências necessárias à sua restituição e sobre o disposto no art. 328, conforme regulamentação do CONTRAN.  (Lei 13.160/15)
      § 6º  Caso o proprietário ou o condutor não esteja presente no momento da remoção do veículo, a autoridade de trânsito, no prazo de 10 (dez) dias contado da data da remoção, deverá expedir ao proprietário a notificação prevista no § 5º, por remessa postal ou por outro meio tecnológico hábil que assegure a sua ciência, e, caso reste frustrada, a notificação poderá ser feita por edital.    (Lei 13.281/16) 
.........
           § 9o Não caberá remoção nos casos em que a irregularidade puder ser sanada no local da infração.     (Lei 13.160/15)
.........
       § 13.  No caso de o proprietário do veículo objeto do recolhimento comprovar, administrativa ou judicialmente, que o recolhimento foi indevido ou que houve abuso no período de retenção em depósito, é da responsabilidade do ente público a devolução das quantias pagas por força deste artigo, segundo os mesmos critérios da devolução de multas indevidas.  (Lei 13.281/16)  


Assim, se há lei nacional determinando a notificação do condutor quando da remoção do veículo, é evidente que não pode haver lei municipal impedindo que tal fato ocorra, sendo flagrante a ilegalidade, já que a lei menor não pode contradizer a que lhe é superior, o que mais ainda se escancara quando o Município dá ao infrator a faculdade de permanecer no erro apenas por estar presente ao local (já que fica impedida a remoção), quando a União não o faz. E ainda por cima prevê uma absurda multa de mil reais e suspensão de trinta dias para o Guarda de Trânsito que quiser fazer o que o Código de Trânsito determina!!!... 

Mais ainda: em nossa amada Campos dos Goytacazes em virtude dessa nova lei uma ordem legal para a remoção do veículo, dada pela autoridade de trânsito com base no Código de Trânsito... torna-se ilegal!!! Na prática, em Campos o artigo 195 do Código de Trânsito está "revogado":


Art. 195. Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes:
        Infração - grave; Penalidade - multa.

Em suma: se o Município não revogar essa lei desproporcional, irrazoável, ilegal e inconstitucional, será necessário que o Ministério Público acione o Poder Judiciário para declarar a inconstitucionalidade da Lei 8.749/17, independente de os cidadãos acharem bom o fato de agora poderem "se vingar" dos Guardas. Não pode a própria Administração Pública - a título de corrigir eventuais excessos dos agentes públicos - liberar excessos dos particulares. É disso que fala o ditado popular: "não se pode jogar a criança fora junto com a água da bacia.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Farol aceso de dia só em rodovia (ou "Não existe 'trecho urbano de rodovia'")

Temos visto recentemente mais uma lenda urbana se espalhar pelo país. Trata-se de mais um daqueles casos em que a lei determina uma coisa e as pessoas (e até autoridades) espalham outra*: "agora tem que andar com o farol aceso de dia", é o que se fala e o que temos visto no dia-a-dia nas cidades desde que entrou em vigor a nova redação do artigo 40, inciso I do Código de Trânsito (abaixo a versão revogada seguida pela que está em vigor, com a mudança em destaque):

Imagem: Revista Autoesporte
Art. 40. O uso de luzes em veículo obedecerá às seguintes determinações:
        I - o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa, durante a noite e durante o dia nos túneis providos de iluminação pública;
        I - o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa, durante a noite e durante o dia nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias.    

Assim sendo, fica claro que a única coisa acrescentada pela nova lei foi a necessidade de acender o farol do carro quando se estiver numa rodovia. Mas as pessoas saem repetindo o que ouvem e simplesmente não leem o que está previsto na regra. 


Quase ninguém reparou, mas segundo o Anexo I do Código de Trânsito, rodovia é uma "via rural pavimentada". Além disso o mesmo anexo define o seguinte:

"PERÍMETRO URBANO - limite entre área urbana e área rural; 
VIA RURAL - estradas e rodovias; 
VIA URBANA - ruas, avenidas, vielas, ou caminhos e similares abertos à circulação pública, situados na área urbana (...)"

Então não existem rodovias dentro de cidades, já que aquelas só existem em áreas não urbanas. Por tal motivo esse papo de que "os motoristas devem acender o farol baixo inclusive nas rodovias que cortam trechos urbanos" e de que "a lei exige o farol aceso em toda a rodovia"  me parece mais indústria de multa do que cumprimento da leinão faz sentido o cidadão estar trafegando naquilo que para todos é uma avenida ou rua - mas que coincidentemente também é trecho de rodovia, independente de haver concessão ou não - e ter que cumprir a nova regra.

Assim, punir o motorista que dirige dentro da cidade com os faróis apagados apenas porque se trata no papel de "trecho de rodovia" seria injusto, desproporcional, fora da realidade e ilegal, tendo em vista a definição prevista no CTB, destacada acima: é evidente que o espírito da lei não é obrigar o motorista a acender o farol numa avenida que coincidentemente é rodovia, desligá-lo ao fazer um retorno numa rua transversal e ligar o farol de novo após o contorno, pelo simples fato de que isso não faz sentido.

Para completar, o DENATRAN não emitiu interpretação a respeito. Sabe-se pela imprensa que no caso dos carros que têm "luz diurna" não é necessário acender o farol, o que é até uma questão de Lógica. Mas a autoridade precisa deixar clara a situação referente aos trechos urbanos de rodovias (que rodovias não são, mas que para fim de multar o cidadão passaram a ser), porque depender apenas do bom senso do agente fiscalizador nem sempre é algo simples.

* Foi assim que se espalharam tanto a ideia de que "basta o pedestre pisar na faixa que os carros têm que parar" (aqui e aqui) quanto o indiscriminado uso de prioridades em estabelecimentos particulares (aqui), quando a lei diz que isso só ocorre nos órgãos públicos e concessionários de serviços públicos...

** O Jornal Nacional fez uma reportagem sobre o tema: veja

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Nada é tão ruim que não possa piorar

No mundo maravilhoso das autoridades de trânsito parece que a descida da Ponte do Estado, no Centro de Campos, não é um ponto de estrangulamento do tráfego na região.

Então – além da proibição de dobrar à esquerda na Rua Formosa (era só colocar um sinal de três tempos!), obrigando o motorista a fazer um retorno de cerca de um quilômetro para andar alguns metros – nada melhor do que colocar alguns obstáculos no local: assim, mesmo quando não vem nenhum carro descendo a ponte, fica impossível ter acesso ao Centro da cidade...

Brilhante! Ficou ainda pior!

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Não existe obrigação de parar o carro para o pedestre passar

Texto publicado na coluna "Endireitando", que assino quinzenalmente no Jornal Notícia Urbana.

Neste país já estamos fartos de saber que muita coisa errada é tida como certa. Aliás, o mote desta coluna é exatamente mostrar que há casos em que idéias que estão arraigadas na cabeça das pessoas podem não ter fundamento jurídico ou não ter a extensão que costuma lhes ser dada. Exemplo disso é a confusão que se faz quando o assunto é o direito dos pedestres que – por serem inegavelmente o lado mais frágil do trânsito – acabam sendo tidos como necessariamente “bonzinhos”, restando aos motoristas a pecha de “maus”, naquele clima de “nós contra eles” que tomou conta da sociedade brasileira na última década.

Repare que normalmente se culpa o motorista pelo acidente, mas quase ninguém se posiciona contra o pedestre: mesmo em casos onde há todas as evidências, falar que determinado atropelamento foi causado por imprudência do transeunte é correr risco de ser tachado como favorável à violência no trânsito, etc. Aqui também não se fala contra: apenas não se fala obrigatoriamente a favor, porque a lei e os fatos é que estão em questão. 

Da mesma forma que não se exige que a pessoa seja especialista em Direito para saber que não se pode interpretar um artigo de lei sem analisar o contexto em que ele está inserido (que é o que mais se vê hoje em dia), também não precisa ser especialista em trânsito para observar certos comportamentos no cotidiano das cidades: basta sair às ruas....

Uma coisa é a necessária e importante conscientização dos motoristas para evitar atropelamentos (art. 29, § 2º do Código de Trânsito Brasileiro – “CTB”); outra coisa completamente diferente é tratar como se fosse desnecessária a conscientização também dos pedestres quanto às suas obrigações para evitar atropelamentos. Recentemente o Instituto de Trânsito de Campos fez uma correta campanha a respeito, onde foi ressaltado o quanto é importante o comprometimento de todos para a segurança no trânsito, até porque ninguém é o tempo todo só pedestre, motorista, motociclista ou ciclista: por vezes encarnamos mais de uma dessas figuras no mesmo dia.

Ocorre que na maioria das vezes as autoridades de trânsito do país e a imprensa em geral tendem a tratar o pedestre como única vítima do trânsito, esquecendo-se que pedestres também podem ser multados no trânsito – mas isso depende de uma regulamentação que nunca será feita – e que o cidadão médio não sai de casa querendo atropelar ninguém, embora possa também passar por uma fatalidade: para as pessoas normais é um transtorno enorme ver-se envolvido num fato que levou alguém a se machucar ou mesmo à morte (evidentemente trata-se aqui dos cidadãos comuns, não dos que usam carros como armas ou dirigem bêbados). Pouco se noticia que já houve caso onde, por imprudência, um pedestre foi condenado a pagar multa ao atropelador... e as redes sociais crucificam o motorista, mesmo quando a vítima ziguezagueava, bêbada, em local escuro de uma rodovia federal...

No Brasil de 2015 algumas observações são necessárias, ainda que evidentes: em regra a rua foi feita para os carros, destinando-se aos pedestres a calçada (CTB, art. 254, I), de onde se conclui que, em regra, quando uma pessoa é atropelada na rua, a culpa é dela (se a vítima é colhida sobre a calçada ou sob o sinal vermelho, aí sim a questão se vira contra o motorista); há no CTB proibições específicas também para pedestres; consta que os pais ainda ensinam os filhos a “olhar para os dois lados antes de atravessar a rua”; não há notícia de pai ou mãe que ensine às crianças que “na faixa de pedestre pode sair atravessando, porque os carros têm que parar para você passar”, há?

É simples: onde há faixa de pedestres e sinal de trânsito o pedestre tem que aguardar sua vez? Tem; onde há faixa e agente de trânsito também é preciso esperar? Sim, é. Por que motivo então as pessoas acham que onde se tem apenas a faixa pintada no chão elas têm o direito de sair atravessando feito loucas, forçando carros que estão próximos e em certa velocidade a freadas bruscas, com risco de acidente? Acaso uma batida entre dois carros é “melhor” do que um atropelamento? Não! Ambos devem ser evitados. Ocorre que, se em determinado local a autoridade pública não instalou semáforo nem deslocou para lá agentes de trânsito, subentende-se que não há movimento tão grande a ponto de justificar tais ações e que a faixa de pedestres está apta a resolver o problema naquele trecho: basta o pedestre aguardar a hora certa e o motorista prestar atenção redobrada ao se aproximar do local e a travessia pode ser feita de forma segura.

Todos lembram de citar que Código de Trânsito (art. 70) prevê que o pedestre tem direito a prioridade, mas se esquecem de que a mesma lei também prevê (art. 69) que “para cruzar a pista de rolamento o pedestre tomará precauções de segurança, levando em conta, principalmente, a visibilidade, a distância e a velocidade dos veículos, mesmo na faixa de pedestres. Assim, para ter direito à prioridade, antes o cidadão tem que verificar se é possível atravessar a rua sem causar acidentes – exatamente como nossos pais nos ensinaram e nós ensinamos a nossos filhos.

Porém, o que frequentemente se vê hoje é a conduta arrogante de muitos pedestres que adentram a faixa mesmo quando há risco e olham em tom desafiador para os motoristas (como que a dizer: “dane-se o mundo, porque eu estou passando”). Por outro lado, já se viu motorista parando o carro em plena Av. Pelinca e fazendo sinal para uma ou duas pessoas (que ainda estavam na calçada) passarem – mesmo que para fazer essa “boa ação” dez carros tenham sido deixados a esperar. Pior: há registro de autoridades de trânsito que fazem campanhas contra os carros (“a cidade deve ser mais dos pedestres e menos dos carros”: como assim???), que acham que a cada faixa de pedestres o veículo tem que parar – para só depois retomar a marcha – ou que é certo parar o trânsito de ruas movimentadas para a passagem de uma só pessoa, mesmo a 20 metros de um sinal...

Se toda vez que um pedestre colocar o pé na faixa os carros tiverem que parar, o trânsito vai dar um nó em todas as cidades (lugares como Brasília e Gramado são casos à parte); o Código de Trânsito (art. 69, II) exige que o pedestre espere, conforme o caso, o semáforo ou a ação do guarda de trânsito para cruzar a pista. Com mais razão ainda exige-se que o pedestre verifique se há condição de realizar a travessia, não podendo atravessar a rua não ser dessa forma: se o transeunte já estiver atravessando segundo as citadas regras, aí sim – e só assim – o carro deve dar prioridade ao pedestre.

Quando a lei entende que o veículo tem que parar o faz expressamente: o Código prevê multa para quem “deixar de parar” o veículo em passagens de nível (onde passam trens – art. 212) ou quando alcançar passeatas, desfiles, cortejos etc (art. 213). Porém, no artigo logo a seguir a multa é para quem “deixar de dar preferência de passagem ao pedestre” (art. 214), não se usando a expressão “deixar de parar”. Só há preferência para o pedestre se ele antes verificar se é possível atravessar (não existe na lei essa história de esticar o braço, levantar o polegar nem “colocar o pé na faixa”: não há esse automatismo): caso se tratasse da mesma regra o verbo seria o mesmo...

Detalhe que quase ninguém percebe, mas que está no chamado “espírito da lei”: se todos fizerem a sua parte não precisa parar o trânsito e não há risco para o pedestre. Se foi necessário frear de forma brusca é sinal de que o pedestre errou, por não avaliar as condições de atravessar com segurança, pois não se pode entrar na faixa para fazer os carros pararem: o certo é usar a faixa após verificar se é seguro atravessar e em decorrência disso é que os carros devem dar preferência. Observe: se o pedestre avalia o momento certo de atravessar, vai chegar ao outro lado da rua em sem se arriscar; se de fato usa a faixa de forma segura, o carro não precisa parar, bastando diminuir a marcha, se for o caso, para dar passagem. A preferência para o pedestre não é um cheque em branco, não o autoriza a se jogar na frente dos carros!

A verdadeira intenção do Código é a busca de harmonia no trânsito: é verdade que o motorista tem que respeitar o pedestre, mas por que a recíproca não seria verdadeira? E tudo isso (que está na lei, não na cabeça de quem escreve este texto, nem na de quem inventa campanhas irresponsáveis do tipo “basta pisar na faixa e pode atravessar”) confirma que, com as leis que temos e sem que seja “forçada a barra”, não existe obrigação de parar o carro para o pedestre passar.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Lenda urbana: o que diz a lei sobre a tal "prioridade para o pedestre" (?)

A tão falada prioridade para o pedestre tem se mostrado mais um caso de "interpretação casuística": a lei não especifica determinada coisa, mas um grupo entende que o assunto deve ser tratado deste ou daquele jeito e sai espalhando por aí sua particular interpretação do texto, como se tal fosse a verdade. No fim vira lenda urbana, até autoridades vivem a repetir a cantilena e as pessoas acabam acreditando...

Nossos pais nos ensinaram (espero que ainda seja assim): "olhe para os dois lados antes de atravessar a rua", e isso não deve ser jogado fora. A toda hora alguém fala que sobre a faixa de pedestres estes têm prioridade, que "os carros têm que parar para o pedestre passar" ou coisa assim. Será isso verdade? Será mentira? Será meia-verdade? É oba-oba?

Há até campanhas dizendo isso e no trânsito é fácil ver que alguns pedestres  procuram a faixa e atravessam sem querer saber do trânsito (também sou pedestre, mas não faço isso) e fazendo cara feia, para que os carros parem de qualquer jeito para eles passarem (em Campos isso acontece muito na Beira-Valão próximo à Rodoviária Velha). Em alguns lugares do país vemos guardas que chegam a parar o trânsito - por mais movimentado que esteja - para a passagem de uma só pessoa. Pergunto: seria isso razoável? Talvez tenham lido ou ouvido falar do festejado artigo 70 do Código de Trânsito:

"Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem exceto nos locais com sinalização semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições deste Código.

Parágrafo único. Nos locais em que houver sinalização semafórica de controle de passagem será dada preferência aos pedestres que não tenham concluído a travessia, mesmo em caso de mudança do semáforo liberando a passagem dos veículos."

Eu sigo regras básicas: a rua foi feita para os carros e a calçada para os pedestres. Quando estes precisam atravessar a rua é evidente que precisam se cercar dos cuidados necessários e isso é ensinado pelos pais aos filhos desde que foi massificado o uso do automóvel. Não precisa estudar em Oxford para saber isso! Mas "pega bem" defender o pedestre (sempre bonzinho, coitadinho) e atacar os motoristas (sempre maus) e para tanto se invoca a lei e o artigo acima. É verdade que sem outras regras de trânsito estaria estabelecida uma prioridade absoluta aos pedestres: ótimo, lindo, maravilhoso... mas o país pararia em meio a engarrafamentos... seria o caos...

O fato é que não se pode ler um artigo de lei sem uma análise do contexto onde ele está inserido. Como fui aluno do grande professor Fernando Miller na FDC, sempre lembro de suas importantes lições, dentre elas a famosa "leia a lei...". Sempre que alguém aparece com essas soluções mágicas, com tudo resolvido (no caso sempre a favor dos pedestres e contra os motoristas) eu me lembro da lição acima e de fazer o que parece óbvio, mas muitos não fazem: "ler a lei". Falta a essas pessoas que invocam a cega prioridade lerem também o artigo 69 (destaques meus), logo acima do que foi há pouco transcrito:

"Para cruzar a pista de rolamento O PEDESTRE TOMARÁ PRECAUÇÕES DE SEGURANÇA, levando em conta, principalmente, a visibilidade, a distância e a velocidade dos veículos, utilizando sempre as faixas ou passagens a ele destinadas sempre que estas existirem numa distância de até cinqüenta metros dele, observadas as seguintes disposições:
..........
II - para atravessar uma passagem sinalizada para pedestres ou delimitada por marcas sobre a pista:
a) onde houver foco de pedestres, obedecer às indicações das luzes;
b) onde não houver foco de pedestres, AGUARDAR QUE O SEMÁFORO OU AGENTE DE TRÂNSITO INTERROMPA O FLUXO DE VEÍCULOS;"

Ou seja: antes de falar da prioridade para os pedestres a lei determinou como o pedestre deve se comportar para atravessar a rua, mas os politicamente corretos só leem a parte que beneficia os pedestres. Assim, fica claro que a lei não faz da faixa de pedestres um lugar onde o bom senso seja desnecessário, até porque a ser assim o trânsito das cidades não andaria, porque a cada segundo um pedestre quer atravessar uma rua.

Se quem está a pé tem que andar até a faixa de pedestres e se onde há sinal ou agente de trânsito o pedestre precisa esperar a interrupção do trânsito, por que motivo alguém acha que onde não houver sinal ou alguém para controlar o trânsito se dará carta branca ao pedestre para atravessar de qualquer jeito, apenas porque há no chão uma faixa de pedestres? A ser assim se dará mais importância às faixas de pedestres do que aos guardas e sinais de trânsito, o que não se encaixa na sistemática do artigo 89 do Código de Trânsito:

"A sinalização terá a seguinte ordem de prevalência:
I - as ordens do agente de trânsito sobre as normas de circulação e outros sinais;
II - as indicações do semáforo sobre os demais sinais;
III - as indicações dos sinais sobre as demais normas de trânsito"

É claro que a faixa pintada no chão serve para alertar os motoristas de que pessoas provavelmente atravessarão a rua ali e evidentemente é preciso que os condutores tenham atenção redobrada. É certo que o pedestre tem prioridade se tiver iniciado a travessia observando as regras, que determinam que ele ESPERE a oportunidade certa para atravessar, o que não autoriza ninguém a se jogar na frente dos carros e achar que estes têm que parar a qualquer custo, até porque em alguns casos isso pode gerar acidentes.
 
Para encerrar lembro que eu não disse que acho certo um "trânsito feroz" nem que sou insensível ao problema do grande número de atropelamentos, nem nada assim - até porque embora eu esteja sempre de carro, também ando muito à pé, de ônibus e de bicicleta. Eu disse, sim, que a cantada e recantada "prioridade para o pedestre" ocorre dentro de um contexto: não se trata de uma verdade absoluta: é isso que as autoridades deveriam informar aos cidadãos, sem o "oba-oba" atual.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Falta de respeito no trânsito de Campos

Veja como um motorista folgado atrapalha o trânsito: o caminhão teve que fazer um "malabarismo" sobre a calçada para poder seguir numa rua estreita do centro de Campos, porque dentro do possante havia apenas uma moça calmamente deitada, no estilo "dane-se o mundo".
A cena foi fotografada ontem de manhã, mas acontece todo santo dia em nossa cidade: