Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

segunda-feira, 11 de março de 2013

Royalties: direitos, histeria coletiva, bois que voam e cavalos encilhados

AVISO AOS NAVEGANTES: 1 - ao abordar o assunto abaixo não o tenho na conta deste ou daquele grupo político: falo da sociedade campista, não dos governos que se sucederam no tempo, até porque ela ganha e acerta (ou perde e erra) junto com a cidade, independente de qualquer governo.
2 - esta postagem não é destinada a operadores do Direito nem a bajuladores e sim a cidadãos comuns que querem tentar entender essa confusão referente à questão dos royalties do petróleo. Quem quiser um parecer erudito, acesse o site do jurista Luis Roberto Barroso, aqui; para saber o histórico dos royalties veja a atuação do IBGE, aqui.
3 - A postagem ficou grande e peço desculpas por isso, mas não houve outro jeito.
4 - Quem quiser discordar fique à vontade. Mas antes leia tudo até o fim e com calma e lembre-se: eu não estou nem aí para nenhum grupo político.

NOTA: o tema "royalties do petróleo" é complexo. Envolve muitas questões jurídicas, técnicas, políticas, sociais e politiqueiras, o que mexe com a paixão das pessoas. Não tenho como esgotar o assunto, mas posso falar um pouco tentando traduzir a confusão para os leigos. Se as conclusões que chegarei abaixo estão certas só o tempo dirá.



Royalties: direitos, histeria coletiva, bois que voam e cavalos encilhados


Sobre a polêmica do momento, em primeiro lugar uma pergunta: de onde vem a palavra "royalty"? Vem de "royal" que em inglês refere-se ao que é do rei, algo assim. Era uma compensação paga ao rei, na Europa, por quem queria explorar algum tipo de recurso natural ou algum imóvel real. Claro, não vou me alongar nisso.

I - do Direito:

Indo ao que interessa: por que motivo a indústria tem que pagar royalties para explorar riquezas naturais? Simplificando bastante, pode-se dizer que isso ocorre porque ela tira a riqueza de alguém e deixa as consequências para esse alguém. 
No caso, pagam-se royalties sobre a exploração do petróleo à União, Estados e Municípios. É "só" isso. 

Mas... por Deus: a ordem natural das coisas é que os royalties são pagos a quem produz a riqueza, exatamente porque a conta dessa exploração fica para quem produz, não para todo o país. O melhor exemplo disso é a cidade de Macaé, que teve uma explosão demográfica após a chegada da Petrobrás ao município: sem contar os riscos ambientais que Macaé corre, quando o petróleo acabar em tese os problemas sócioeconômicos se agravarão por lá.

É verdade que juridicamente um eventual mau uso dos recursos não é justificativa para a retirada deles dos produtores, mas sob os aspectos social e político sim, porque se houver desperdício é um prato cheio para quem quer aumentar a arrecadação dos não-produtores. O Brasil, como sabemos, é dado a discursos populistas.

Como a vida em sociedade exige regras, sempre temos que recorrer à lei  o que não é sinônimo de "ser legalista"  destaco abaixo os trechos da Constituição (verde) e da Lei do Petróleo (Lei 9.478/97, em marrom) que tratam da obrigação referente aos royalties e mais à frente volto ao tema (outras regras podem ser vistas aqui):


Art. 20, § 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

Art. 47. Os royalties serão pagos mensalmente, em moeda nacional, a partir da data de início da produção comercial de cada campo, em montante correspondente a dez por cento da produção de petróleo ou gás natural.
        § 2º Os critérios para o cálculo do valor dos royalties serão estabelecidos por decreto do Presidente da República, em função dos preços de mercado do petróleo, gás natural ou condensado, das especificações do produto e da localização do campo.
..........
Art. 49. A parcela do valor do royalty que exceder a cinco por cento da produção terá a seguinte distribuição
.........
II - quando a lavra ocorrer na plataforma continental:
a) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Estados produtores confrontantes;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento aos Municípios produtores confrontantes;
..........     
Assim, é natural que a União e o Estado recebam pagamento pela exploração de petróleo em seus territórios e ainda mais natural que os municípios recebam uma parcela ainda maior, porque o homem vive é na cidade e quem amarga o aumento populacional, os riscos ambientais, a falta de emprego, escolas, transporte e tudo mais é o Município. Falo aqui sem bairrismo algum: trata-se de uma questão de bom senso e é por tal motivo que penso que Macaé será ainda mais prejudicada do que Campos... afinal, a indústria do petróleo está lá, não aqui. Quem respira petróleo é Macaé, não Campos (se fosse para ser bairrista eu não diria isso: "campista não gosta de Macaé"... rsrsrsrs).
Fonte: reprodução do Facebook

Fica claro que o argumento de que "se o petróleo é do Brasil os royalties também têm que ser de todo o país" é de uma canalhice sem tamanho, até porque os demais estados falam isso mas mantém um silêncio retumbante a respeito da distribuição dos royalties referentes aos demais recursos minerais: se é para dividir o que se recebe em razão do petróleo com todo o país, seria justo fazer isso também com os recursos provenientes da exploração de outras  riquezas pelo país afora, de todo lugar onde há tal exploração, conforme imagem...

II - da histeria coletiva:

Por outro lado, o natural no gasto dos royalties é investir em infraestrutura, exatamente para que a cidade se prepare para um futuro sem royalties (porque o petróleo é uma riqueza finita), evitando ficar abandonada como as cidades do "Velho Oeste" americano, ou virar uma pequena metrópole desorganizada, com uma então indesejada superpopulação, que terá ainda menos empregos, menos saneamento básico, menos gente na escola e mais gente na rua querendo roubar para comer. 

A questão é: nenhum desses efeitos perversos era desconhecido em 1997, quando foi aprovada a Lei do Petróleo ainda em vigor e, aliás, nossa luta pelos royalties na década de 90 usava exatamente esses argumentos... brigamos, brigamos e conseguimos mas... usamos tais recursos para isso? Ou será que usamos durante anos tais recursos para maquiagens pela cidade e montagem de projetos que não se sustentam sem os royalties? 

Tivemos, claro, boas iniciativas ao longo dos anos, mas sinceramente acho pouco perto do que poderíamos ter conseguido. Tanto em dezesseis anos pouco fizemos de efetivo para que a cidade viva sem royalties que pergunto: se estamos bem estruturados, se estamos no caminho certo, por que tamanha histeria ???? Não falo, claro, de governos, mas de nosso rumo como cidade.

Assim, embora protestar seja da democracia, convém lembrar que o vandalismo não é democrático. Para quem gosta de dizer que está apenas reivindicando o que acha certo (isso é lícito), recorrendo-se à Constituição vemos que há regras que precisam ser seguidas para que sejam feitos protestos (a não ser como está abaixo, é ilícito):

Art. 5º, XVI - todos podem reunir-se PACIFICAMENTE, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

Então, é de se lamentar a invasão de rodovias, a queima de pneus e a ocupação de locais públicos: isso não é protesto, é bagunça e não tem utilidade alguma a não ser queimar nosso filme. Quem quer defender a Constituição deve defendê-la por inteiro, não apenas a parte que lhe interessa, rasgando a que lhe é contrária, conforme visto acima. Além disso, muitas pessoas que agora defendem os direitos de nossa cidade com unhas e dentes, levam seus carros para emplacar no Espírito Santo e nessa ocasião não pensam na cidade e sim em seus bolsos (o que talvez explique tanta "ênfase" agora)...

Aí porque uma pessoa é contra essa maneira de atuar, já vem um grupo gritar que tal pessoa é "contra nossa cidade", que é um "inimigo público" e outras besteiras que só pioram as coisas, pois nos dividem: sou a favor de Campos  minha querida terra natal  e dos royalties para quem produz mas, pensemos: se até agora com os vários "protestos" (inclusive os pacíficos), ninguém arredou pé de tirar os royalties dos produtores, por que motivo agora que a questão da vontade política já está encerrada e só depende da Justiça algo iria mudar??? Truculência é algo positivo neste momento? 

Se é sabido que a maioria da sociedade repudia e a lei criminaliza ações como as que caracterizam grande parte da atuação do Movimento dos Sem-Terra, por exemplo (que com razão exige reforma agrária e sem razão invade fazendas e quebra tudo - leia) não podemos agir da mesma forma que eles. Um bom advogado para nos defender no Supremo Tribunal Federal seria mais útil...

Mas, sinceramente, o cúmulo da histeria coletiva é defender a criação de um novo país... é para rir!!! A não ser que se queira constituir um novo exército e pegar em armas contra o Brasil, ainda que alguém realmente queira falar sério a respeito, convém lembrar que a maluquice é barrada já na primeira parte do primeiro artigo da Constituição brasileira, no chamado "princípio da proibição de secessão"

"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (...)"

Precisa desenhar???

III - dos bois que voam (1):

Na minha opinião, quando se noticiou o petróleo do pré-sal os bois começaram a voar: a sociedade engoliu a conversa fiada de que em razão da "grande novidade" que seria a "redenção do Brasil" era preciso uma nova partilha dos royalties: pura balela politiqueira e populista. Armação pura.

Pergunta: qual a diferença (não em detalhes técnicos, claro) entre o petróleo do pré-sal e o "outro" petróleo, explorado em águas menos profundas??? Resposta genérica: no pré-sal o petróleo tem uma qualidade melhor, sendo mais leve e por isso mais rentável. Só que não havia novidade alguma nisso, tanto que já existia em lei a regra das "participações especiais", que rendem aos produtores valores adicionais exatamente em razão dessa melhor qualidade/rentabilidade. Não havia necessidade alguma de mudar a partilha dos royalties decorrentes da exploração do pré-sal!!!!! Na lei, em vigos desde 1997: 

Art. 50. O edital e o contrato estabelecerão que, nos casos de grande volume de produção, ou de grande rentabilidade, haverá o pagamento de uma participação especial, a ser regulamentada em decreto do Presidente da República. 
OBS: o decreto citado acima está aqui.

Assim sendo, se a Constituição fala apenas em "petróleo" (pouco importando se ele é explorado na beira da praia ou no fundo do fundo do mar) e a lei já previa pagamento diferenciado em caso de maior rentabilidade na produção, há evidente engodo em tratar de forma diferente os royalties do pré-sal. Observe-se que foi a partir daí que a cobiça dos estados não-produtores foi aguçada (ou "reaguçada"): a culpa disso é de quem inventou essa "diferença" que não existe, o que foi uma manobra política muito bem engendrada e até agora não desmascarada. Penso que foi proposital. Quem quiser ler mais sobre o tema visite a página da Revista Veja, aqui

IV - dos bois que voam (2):

Não se pode esquecer que "quanto mais elevado é o Tribunal, mais político ele é". É sabido por todos que ultimamente o Supremo Tribunal Federal tem dado interpretações muito particulares a alguns artigos da Constituição, reescrevendo-a em boa medida e criando aquilo que chamo de "interpretação casuística" (rsrsrs)

Daí tenho medo de que Suas Excelências consigam ir contra o entendimento simples que deriva do texto constitucional acima (art. 20, § 1º), que leva qualquer criança a entender que quem tem que receber royalties são os produtores e que é por tal motivo que a alteração na partilha é inconstitucional. Se o Supremo considerou que o ICMS do petróleo pago a São Paulo era constitucional exatamente por causa dos royalties aos produtores, numa espécie de compensação baseada na ideia de razoabilidade, mudar o entendimento agora será fazer boi voar.

Por outro lado, até agora quase ninguém atentou para um fato, principalmente os não-produtores: esse questionamento todo só vem ocorrendo e vai continuar no STF porque foi feita uma mudança na lei e não na Constituição. Como o tema não é daqueles que não podem ser mudados em nossa Lei Maior, se fosse feita uma Emenda Constitucional não haveria o desgaste de aprovar um texto, vê-lo vetado, ter que ir ao STF, depois derrubar o veto a toque de caixa (há 13 anos não havia análises de vetos presidenciais) e ainda ter que esperar o STF se pronunciar, agora sobre o mérito da questão.

Daí que o fato inexorável (e salvo engano ninguém falou categoricamente sobre isso até agora, o que me faz lamentar ser o portador de uma má notícia) é que os produtores vão perder de uma forma ou de outra: se o STF disser que a lei contrariou a Constituição, o Congresso fará uma Emenda à Constituição estendendo os royalties a todo o país (e eles têm ampla maioria para conseguir isso, sendo que não precisa a Presidente sancionar, neste caso); se o STF fizer boi voar, o valor será diminuído já neste ano

Pode até ser   e acho que há uma boa possibilidade – que o Supremo conceda uma liminar suspendendo por enquanto a aplicação da nova regra, mas o que interessa de fato é se no fim do processo a novidade será considerada constitucional ou não (e, caso não seja, se o entendimento será baseado na falta de cumprimento de alguma formalidade ou por contrariar diretamente a Constituição: no primeiro caso cumprida a formalidade estará tudo certo...), mas ainda que vençamos agora, vamos levar o troco mais à frente.


V -  do cavalo que passa encilhado:


Em suma: ou os royalties do petróleo serão drasticamente reduzidos agora ou o serão dentro de algum tempo. Não há chance de vencermos esta luta e mantermos tudo como tem sido. Lamento que a cidade vá perder atual receita dos royalties, assim como lamento que tenhamos perdido a oportunidade histórica de crescer com os royalties

Como dizia o velho gaúcho Leonel Brizola, que dá nome à Ponte do Estado, no centro de Campos: "o cavalo encilhado, não passa duas vezes". 

O certo que a diminuição, que se acreditava que viria somente com o fim do ciclo do petróleo, virá na base da "canetada", do rolo compressor, da força, mas virá e em breve. Espero estar errado, mas...

VI - conclusão:


A síntese de tudo dito acima é: os não-produtores correm risco de levar uma "barriga jurídica" do STF por terem mudando a partilha através de lei; os produtores levarão essa "barriga" quando a mudança vier através de Emenda à Constituição, sendo que aí pouco adiantará recorrer à Justiça. 

É hora de colocar a razão acima da paixão e agir com prudência. O mundo não vai acabar (o que vai acabar é a moleza). Como Campos e o Estado do Rio não foram criados em 1997, essa história de chorar, suspender pagamentos, cassar licenças ambientais ou quebrar tudo é balela, uma forma de pressionar na base do "quanto pior melhor", política  frequentemente usada. Tudo que der errado será creditado à questão dos royalties, mas se tivesse havido melhor planejamento não haveria necessidade de tanta histeria.

Cabe à cidade e ao Estado a busca de novas formas de conviver harmonicamente com a indústria petrolífera e planejar o futuro dentro da nova realidade que se avizinha.

5 comentários:

  1. Parabés Marcelo, ficou excelente. Gostei muito.

    Eu não queria mais escrever sobre royalties, mas depois desta postagem tua, acho que posso me embasar nela para tentar deixar mais claro para o povão que eles estão sendo usados como "massa de manobra" (respeitando aqui assuntos que você não escreve, mas que eu escrevo).

    Que continue sempre trazendo para nós suas pérolas. A sociedade agradece!
    Abraços

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  2. Muito bom Marcelo! Uma dúvida: o pacto federativo não estaria sendo ferido e nesse caso séria um dos pontos como diria o ex-ministro Magri " imexível" na Constituição?

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    1. Tenho minhas dúvidas, Jane.
      Luís Roberto Barroso usa, basicamente, dois argumentos para defender a ideia. Um eu acho fraco ("viola a lealdade que se devem mutuamente os entes federativos a supressão de receita que compromete a autonomia financeira de Estados da Federação, pela mudança arbitrária das regras do jogo") e o outro me parece melhor ("não pode a União se valer de sua atividade legislativa para inviabilizar o cumprimento das obrigações
      contratuais da outra parte"), mas não me parece definitivo. Claro, o cara é Luís Roberto Barroso, não eu.
      Por que acho fracos os argumentos? Porque o que não pode é tender a acabar com a Federação. Não se pode mudar a Constituição se isso ocorrer. Porém, estender o pagamento dos royalties a todos os estados não fere o pacto federativo... pelo contrário, o reforça: quem defende a partilha pode dizer o mesmo (se os royalties ficam só para os produtores e não para todos, isso "fere o pacto federativo")...

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  3. Como sempre escreveu muito bem. Reinaldo Azevedo precisava ler isso. rsrs

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