2 - esta postagem não é destinada a operadores do Direito nem a bajuladores e sim a cidadãos comuns que querem tentar entender essa confusão referente à questão dos royalties do petróleo. Quem quiser um parecer erudito, acesse o site do jurista Luis Roberto Barroso, aqui; para saber o histórico dos royalties veja a atuação do IBGE, aqui.
NOTA: o tema "royalties do petróleo" é complexo. Envolve muitas questões jurídicas, técnicas, políticas, sociais e politiqueiras, o que mexe com a paixão das pessoas. Não tenho como esgotar o assunto, mas posso falar um pouco tentando traduzir a confusão para os leigos. Se as conclusões que chegarei abaixo estão certas só o tempo dirá.
Indo ao que interessa: por que motivo a indústria tem que pagar royalties para explorar riquezas naturais? Simplificando bastante, pode-se dizer que isso ocorre porque ela tira a riqueza de alguém e deixa as consequências para esse alguém. No caso, pagam-se royalties sobre a exploração do petróleo à União, Estados e Municípios. É "só" isso.
Mas... por Deus: a ordem natural das coisas é que os royalties são pagos a quem produz a riqueza, exatamente porque a conta dessa exploração fica para quem produz, não para todo o país. O melhor exemplo disso é a cidade de Macaé, que teve uma explosão demográfica após a chegada da Petrobrás ao município: sem contar os riscos ambientais que Macaé corre, quando o petróleo acabar em tese os problemas sócioeconômicos se agravarão por lá.
É verdade que juridicamente um eventual mau uso dos recursos não é justificativa para a retirada deles dos produtores, mas sob os aspectos social e político sim, porque se houver desperdício é um prato cheio para quem quer aumentar a arrecadação dos não-produtores. O Brasil, como sabemos, é dado a discursos populistas.
Como a vida em sociedade exige regras, sempre temos que recorrer à lei – o que não é sinônimo de "ser legalista" – destaco abaixo os trechos da Constituição (verde) e da Lei do Petróleo (Lei 9.478/97, em marrom) que tratam da obrigação referente aos royalties e mais à frente volto ao tema (outras regras podem ser vistas aqui):
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Fonte: reprodução do Facebook |
Fica claro que o argumento de que "se o petróleo é do Brasil os royalties também têm que ser de todo o país" é de uma canalhice sem tamanho, até porque os demais estados falam isso mas mantém um silêncio retumbante a respeito da distribuição dos royalties referentes aos demais recursos minerais: se é para dividir o que se recebe em razão do petróleo com todo o país, seria justo fazer isso também com os recursos provenientes da exploração de outras riquezas pelo país afora, de todo lugar onde há tal exploração, conforme imagem...
Por outro lado, o natural no gasto dos royalties é investir em infraestrutura, exatamente para que a cidade se prepare para um futuro sem royalties (porque o petróleo é uma riqueza finita), evitando ficar abandonada como as cidades do "Velho Oeste" americano, ou virar uma pequena metrópole desorganizada, com uma então indesejada superpopulação, que terá ainda menos empregos, menos saneamento básico, menos gente na escola e mais gente na rua querendo roubar para comer.
A questão é: nenhum desses efeitos perversos era desconhecido em 1997, quando foi aprovada a Lei do Petróleo ainda em vigor e, aliás, nossa luta pelos royalties na década de 90 usava exatamente esses argumentos... brigamos, brigamos e conseguimos mas... usamos tais recursos para isso? Ou será que usamos durante anos tais recursos para maquiagens pela cidade e montagem de projetos que não se sustentam sem os royalties?
Tivemos, claro, boas iniciativas ao longo dos anos, mas sinceramente acho pouco perto do que poderíamos ter conseguido. Tanto em dezesseis anos pouco fizemos de efetivo para que a cidade viva sem royalties que pergunto: se estamos bem estruturados, se estamos no caminho certo, por que tamanha histeria ???? Não falo, claro, de governos, mas de nosso rumo como cidade.
Art. 5º, XVI - todos podem reunir-se PACIFICAMENTE, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Aí porque uma pessoa é contra essa maneira de atuar, já vem um grupo gritar que tal pessoa é "contra nossa cidade", que é um "inimigo público" e outras besteiras que só pioram as coisas, pois nos dividem: sou a favor de Campos – minha querida terra natal – e dos royalties para quem produz mas, pensemos: se até agora com os vários "protestos" (inclusive os pacíficos), ninguém arredou pé de tirar os royalties dos produtores, por que motivo agora que a questão da vontade política já está encerrada e só depende da Justiça algo iria mudar??? Truculência é algo positivo neste momento?
Se é sabido que a maioria da sociedade repudia e a lei criminaliza ações como as que caracterizam grande parte da atuação do Movimento dos Sem-Terra, por exemplo (que com razão exige reforma agrária e sem razão invade fazendas e quebra tudo - leia) não podemos agir da mesma forma que eles. Um bom advogado para nos defender no Supremo Tribunal Federal seria mais útil...
Mas, sinceramente, o cúmulo da histeria coletiva é defender a criação de um novo país... é para rir!!! A não ser que se queira constituir um novo exército e pegar em armas contra o Brasil, ainda que alguém realmente queira falar sério a respeito, convém lembrar que a maluquice é barrada já na primeira parte do primeiro artigo da Constituição brasileira, no chamado "princípio da proibição de secessão".
"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (...)"
Precisa desenhar???
Pergunta: qual a diferença (não em detalhes técnicos, claro) entre o petróleo do pré-sal e o "outro" petróleo, explorado em águas menos profundas??? Resposta genérica: no pré-sal o petróleo tem uma qualidade melhor, sendo mais leve e por isso mais rentável. Só que não havia novidade alguma nisso, tanto que já existia em lei a regra das "participações especiais", que rendem aos produtores valores adicionais exatamente em razão dessa melhor qualidade/rentabilidade. Não havia necessidade alguma de mudar a partilha dos royalties decorrentes da exploração do pré-sal!!!!! Na lei, em vigos desde 1997:
Art. 50. O edital e o contrato estabelecerão que, nos casos de grande volume de produção, ou de grande rentabilidade, haverá o pagamento de uma participação especial, a ser regulamentada em decreto do Presidente da República.
Assim sendo, se a Constituição fala apenas em "petróleo" (pouco importando se ele é explorado na beira da praia ou no fundo do fundo do mar) e a lei já previa pagamento diferenciado em caso de maior rentabilidade na produção, há evidente engodo em tratar de forma diferente os royalties do pré-sal. Observe-se que foi a partir daí que a cobiça dos estados não-produtores foi aguçada (ou "reaguçada"): a culpa disso é de quem inventou essa "diferença" que não existe, o que foi uma manobra política muito bem engendrada e até agora não desmascarada. Penso que foi proposital. Quem quiser ler mais sobre o tema visite a página da Revista Veja, aqui.
Daí tenho medo de que Suas Excelências consigam ir contra o entendimento simples que deriva do texto constitucional acima (art. 20, § 1º), que leva qualquer criança a entender que quem tem que receber royalties são os produtores e que é por tal motivo que a alteração na partilha é inconstitucional. Se o Supremo considerou que o ICMS do petróleo pago a São Paulo era constitucional exatamente por causa dos royalties aos produtores, numa espécie de compensação baseada na ideia de razoabilidade, mudar o entendimento agora será fazer boi voar.
Por outro lado, até agora quase ninguém atentou para um fato, principalmente os não-produtores: esse questionamento todo só vem ocorrendo e vai continuar no STF porque foi feita uma mudança na lei e não na Constituição. Como o tema não é daqueles que não podem ser mudados em nossa Lei Maior, se fosse feita uma Emenda Constitucional não haveria o desgaste de aprovar um texto, vê-lo vetado, ter que ir ao STF, depois derrubar o veto a toque de caixa (há 13 anos não havia análises de vetos presidenciais) e ainda ter que esperar o STF se pronunciar, agora sobre o mérito da questão.
Daí que o fato inexorável (e salvo engano ninguém falou categoricamente sobre isso até agora, o que me faz lamentar ser o portador de uma má notícia) é que os produtores vão perder de uma forma ou de outra: se o STF disser que a lei contrariou a Constituição, o Congresso fará uma Emenda à Constituição estendendo os royalties a todo o país (e eles têm ampla maioria para conseguir isso, sendo que não precisa a Presidente sancionar, neste caso); se o STF fizer boi voar, o valor será diminuído já neste ano.
Pode até ser – e acho que há uma boa possibilidade – que o Supremo conceda uma liminar suspendendo por enquanto a aplicação da nova regra, mas o que interessa de fato é se no fim do processo a novidade será considerada constitucional ou não (e, caso não seja, se o entendimento será baseado na falta de cumprimento de alguma formalidade ou por contrariar diretamente a Constituição: no primeiro caso cumprida a formalidade estará tudo certo...), mas ainda que vençamos agora, vamos levar o troco mais à frente.
Em suma: ou os royalties do petróleo serão drasticamente reduzidos agora ou o serão dentro de algum tempo. Não há chance de vencermos esta luta e mantermos tudo como tem sido. Lamento que a cidade vá perder atual receita dos royalties, assim como lamento que tenhamos perdido a oportunidade histórica de crescer com os royalties.
Como dizia o velho gaúcho Leonel Brizola, que dá nome à Ponte do Estado, no centro de Campos: "o cavalo encilhado, não passa duas vezes".
O certo que a diminuição, que se acreditava que viria somente com o fim do ciclo do petróleo, virá na base da "canetada", do rolo compressor, da força, mas virá e em breve. Espero estar errado, mas...
VI - conclusão:
A síntese de tudo dito acima é: os não-produtores correm risco de levar uma "barriga jurídica" do STF por terem mudando a partilha através de lei; os produtores levarão essa "barriga" quando a mudança vier através de Emenda à Constituição, sendo que aí pouco adiantará recorrer à Justiça.
Cabe à cidade e ao Estado a busca de novas formas de conviver harmonicamente com a indústria petrolífera e planejar o futuro dentro da nova realidade que se avizinha.
Parabés Marcelo, ficou excelente. Gostei muito.
ResponderExcluirEu não queria mais escrever sobre royalties, mas depois desta postagem tua, acho que posso me embasar nela para tentar deixar mais claro para o povão que eles estão sendo usados como "massa de manobra" (respeitando aqui assuntos que você não escreve, mas que eu escrevo).
Que continue sempre trazendo para nós suas pérolas. A sociedade agradece!
Abraços
Muito bom Marcelo! Uma dúvida: o pacto federativo não estaria sendo ferido e nesse caso séria um dos pontos como diria o ex-ministro Magri " imexível" na Constituição?
ResponderExcluirTenho minhas dúvidas, Jane.
ExcluirLuís Roberto Barroso usa, basicamente, dois argumentos para defender a ideia. Um eu acho fraco ("viola a lealdade que se devem mutuamente os entes federativos a supressão de receita que compromete a autonomia financeira de Estados da Federação, pela mudança arbitrária das regras do jogo") e o outro me parece melhor ("não pode a União se valer de sua atividade legislativa para inviabilizar o cumprimento das obrigações
contratuais da outra parte"), mas não me parece definitivo. Claro, o cara é Luís Roberto Barroso, não eu.
Por que acho fracos os argumentos? Porque o que não pode é tender a acabar com a Federação. Não se pode mudar a Constituição se isso ocorrer. Porém, estender o pagamento dos royalties a todos os estados não fere o pacto federativo... pelo contrário, o reforça: quem defende a partilha pode dizer o mesmo (se os royalties ficam só para os produtores e não para todos, isso "fere o pacto federativo")...
Entendi ... Obrigada.
ResponderExcluirComo sempre escreveu muito bem. Reinaldo Azevedo precisava ler isso. rsrs
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