Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

domingo, 12 de agosto de 2012

Eu não vou morrer pensando em qual seria o remédio

Um amigo me enviou uma pergunta:

"Como você se sente, trabalhando no TRE, obviamente para garantir uma ELEIÇÃO LIMPA, TRANSPARENTE e SÉRIA, quando os próprios políticos são na maioria SUJOS, CORRUPTOS, ou vêm acompanhados de nomes esdrúxulos que criam aquela nuance de que eles não tem preparo nenhum para o cargo? Tenho um palpite que, em parte, deve ser muito doloroso pra você."

Pois é. Continuo agindo da mesma forma que há cinco anos atrás, quando entrei para a Justiça Eleitoral: dou  o meu melhor para que tudo ocorra de acordo com o que manda a lei. Só que em relação aos candidatos em si eu simplesmente abstraio. Nossa briga na Justiça Eleitoral é "botar a eleição na rua", como se diz internamente lá. Pra ser sincero a gente não dá a mínima para os políticos: é como se eles nem existissem, porque nosso trabalho nada tem a ver com eles, já que se tivermos que organizar uma eleição para síndico o trabalho é o mesmo.

Incomoda a mania que algumas pessoas em Campos têm de achar que todo mundo torce por este ou aquele grupo político ou que se vende como elas próprias se venderam, mas já falei disso quando escrevi "Eu não sou dessa laia, não!", que serviu de desabafo.

O nosso serviço é limpo, transparente e sério, embora não seja perfeito como gostaríamos que fosse. 
As leis são fracas com os infratores e há recursos processuais demais à disposição deles. Mas o grande problema é que falta estrutura, muito talvez porque o dinheiro arrecadado com as multas eleitorais - ao contrário do que todo mundo pensa - não fica com a Justiça Eleitoral e vá direto para o caixa dos partidos políticos (ou seja: quem falta à eleição mais dia menos dia dá dinheiro aos políticos).

Aí surgem problemas como o fato de que a título de contenção de despesas a quantidade de servidores públicos que podem ser requisitados para auxiliar a organização dos trabalhos vem diminuindo a cada eleição: na ZE onde trabalho em 2008 eram 9, em 2010 foram 6 e em 2012 só pudemos requisitar 5 pessoas. Qualquer dia desses vão proibir a requisição e aí eu quero ver como só três pessoas organizarão uma eleição para 52 mil eleitores (público abrangido pela 98ª ZE que, acredite, tem apenas três servidores efetivos, incluindo a chefia): o trabalho só aumenta, mas a quantidade de funcionários diminui sensivelmente. Sem contar o fato de que Zonas Eleitorais não têm carros...

Embora o Código Eleitoral determine que "o serviço eleitoral prefere a qualquer outro", muitos responsáveis por órgãos públicos criam empecilhos para ceder seus servidores por alguns meses. Parece que tudo é feito para impedir as requisições e não no sentido de dotar as ZE's de material humano adequado, como se tal fosse o grande mal do serviço público. É por isso que acabamos vendo absurdos como o que tem acontecido em algumas cidades onde só há duas pessoas para organizar toda a eleição ou onde a "equipe" de fiscalização é composta por apenas uma pessoa. Além de tudo a chegada dos requisitados, que acontecia em maio, desta vez foi postergada para julho.

Outro absurdo é a inviabilização, na prática, de trabalho nos fins de semana: para economizar dinheiro praticamente fomos impedidos de fazer plantões em 2012. Dada a seguida campanha de desvalorização (e demonização) dos servidores públicos o ignorante ou quem nunca trabalhou numa ZE pode achar que o servidor quer fazer plantão para ganhar hora extra, mas não se trata disso: como nos fins de semana quase não há atendimentos, trabalhando sábado e domingo conseguimos organizar uma série de coisas que são de solução praticamente impossível durante a semana. Lembre-se que o trabalho que é feito para a montagem de uma seção é replicado por 100, 150 ou 200, a depender da quantidade de seções que cada ZE tem.

A escolha de mesários também tem sido de grande dificuldade: recebemos uma determinação para a não convocação de profissionais públicos de Saúde. Perdemos um monte de gente boa, voluntária e com experiência em eleições. Mas independente da base legal, ordem é ordem e eu não discuto ordens: eu as cumpro.

Em 2010 participei de uma reunião em Teresópolis sobre a avaliação das eleições, onde foram buscadas ideias para 2012. Muitas coisas sugeridas lá foram postas em prática, mas o mais importante não mudou nada, infelizmente, embora tenha sido pedido insistentemente na ocasião: quem resolve o que vai acontecer nas Zonas Eleitorais decide isso sem ouvir as Zonas Eleitorais: aí fica difícil e a gente acaba tendo a sensação de que há gente no nosso time jogando contra a gente.
Mas apesar de tudo trabalhamos com toda a garra do mundo para fazer bem o nosso serviço. Queremos a sensação do dever cumprido. No meu caso a palavra "frustração" não existe, porque tento fazer bem tudo que tenho que fazer e não fico pensando que vou resolver os problemas do mundo: apenas quero agir corretamente de acordo com a Constituição e com as leis.

Quem quer agir em desacordo com as regras é que tem que se preocupar...

O título da postagem é um dos versos de Humberto Gessinger em "Fé Nenhuma",
gravada no primeiro disco dos Engenheiros do Hawaii - "Longe Demais das Capitais", de 1986.

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