Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

domingo, 26 de junho de 2016

Não me altere o samba tanto assim: a "militância judicial" do STF

"A criminalização do deboche, seja ele sutil ou grosseiro, é um exemplo de como o 'politicamente correto' embota o senso de justiça." Felipe Moura Brasil.

No meu trabalho de conclusão da pós-graduação em Direito Constitucional abordei o tema "Ativismo Judicial no STF". Como tenho certeza de não ser uma autoridade no assunto e sim apenas alguém que observa os fatos não sob a ótica do deleite acadêmico e sim sob o prisma da realidade, não me rendi à ótica ufanista do neoconstitucionalismo  que fundamenta a crença no bem que uma "Justiça ativista" pode fazer à sociedade  e me ative aos riscos que a sociedade corre quando o Judiciário resolve legislar e mais ainda quando acha que tem que ir além do ativismo e dar eco à militância ideológica. Por isso minha primeira citação no trabalho foi Paulinho da Viola:


"Tá legal, eu aceito o argumento.
Mas não me altere o samba tanto assim:
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim"

Hipótese: uma pessoa ("A") sabe que a outra ("B") não é ladra, até porque B é conhecido por tentar aprovar a pena de morte contra ladrões ou coisa do gênero. Intencionalmente A tenta desmoralizar B e caluniosamente o chama de "ladrão". B, com evidente ar de ironia, sarcasmo ou deboche - responde "eu não sou ladrão, mas se eu fosse não te roubaria, porque você não merece ser roubada". 

Pergunto: qual o crime cometido por B? Resposta: nenhum. Qualquer criança sabe disso, porque a noção de justo que Deus coloca em nossos corações (Direito Natural) indica nesse sentido. E a resposta é a mesma sendo qualquer das partes homem ou mulher, sendo a pessoa que disse que a outra "não merece ser roubada" deputado ou não ou tendo a calúnia inicial sido "ladrão" ou "estuprador": é evidente que não há qualquer apologia a crime, não há incitação, desrespeito ou ofensaAliás, no nosso caso hipotético crime mesmo praticou quem inicialmente caluniou o outro, posto que de ladrão sabidamente não se tratava, ainda que tal pessoa possa ter todos os outros defeitos do mundo. 

Caso se trate de deputado ou senador ainda há a imunidade parlamentar prevista na Constituição que, se não é licença para praticar crimes (e não é mesmo), abrangeria a questão acima inventada, além do mais se praticada nas dependências do Congresso Nacional: 

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

Lembro que quem vê crime na fala de B tem muito mais motivos para ver crime na fala de A, esta sim deliberada no sentido de caluniar ou, no mínimo, injuriar. Mas sabemos que nos tempos atuais as pessoas erradamente enxergam o Direito sob o prisma ideológico (chamo a isso de "Direito Seletivo", que não existe), esquecendo-se que o Direito deve ater-se ao "ser" e não ao "dever ser"

Como o Direito Penal (este, sim, existe!) admite a analogia em favor do réu, vejamos o que está escrito no artigo 140 do Código Penal, onde se prevê que a provocação da suposta vítima é causa de exclusão de pena no caso de injúria e no artigo 287, que prevê a apologia:


Art. 140, § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
        I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

        II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:

        Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Se nossa hipótese chegasse ao Supremo Tribunal, seria rechaçada de imediato: se prevalecessem a lei e o bom senso, nem mesmo seria apresentada denúncia pelo Ministério Público; sendo ela ajuizada, não deveria ser recebida; sendo ela recebida, não poderia haver condenação. Porém, sendo o acusado alguém tido como "polêmico", "reacionário" ou "simpatizante da ditadura" e a suposta vítima uma mulher, veríamos a Suprema Corte aderir ao chamado "direito penal do autor" (considera não o fato criminoso, mas a pessoa do autor, o que é absurdo. Não tenha dúvida: a doutrina negaria)seria o mesmo julgado, correndo o risco de ser condenado por um crime que não existiu. Afinal, o STF parece ter medo das minorias barulhentas e cabe ao Judiciário resolver todos os problemas da sociedade, né? 

Aí só restaria à defesa do cara caluniado/xingado de ladrão  que imediatamente devolveu a ofensa dizendo que não iria roubar o agressor  recorrer novamente ao mestre Paulinho:


"Sem preconceito ou mania de passado
Sem querer ficar do lado
De quem não quer navegar:
Faça como o velho marinheiro,
Que durante o nevoeiro
Leva o barco devagar..."

3 comentários:

  1. "Bolsonaro não expressou uma opinião. Tratou o estupro como uma dádiva que ele próprio dispensaria apenas às mulheres que ele considera distintas.
    A ofensa foi dirigida a Rosário porque ela é mulher, mas não só a ela: todas as mulheres são, então, alvos potenciais da barbaridade, muito especialmente as que Bolsonaro considera distintas.
    Não existe direito absoluto. Qual é a diferença entre dizer que uma mulher não merece ser estuprada — porque não reuniria as qualidades para tanto — e afirmar que uma criança não merece ser molestada pelas mesmas razões? A liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não conferem a ninguém o direito de cometer crimes ou de usar a palavra para naturalizá-los.Resta-lhe a chance de tentar convencer seus julgadores de que não fez nem a apologia do estupro, que quis, na verdade, dizer outra coisa. O que teria sido? Não posso imaginar. E há também uma tentativa de saída: desculpar-se.
    Por enquanto, a gente vê que ele toma a trilha oposta. Prefere mobilizar seus seguidores — em número bastante reduzido, como se viu neste domingo dia 03/07— para tentar intimidar a Justiça. Não me parece uma boa escolha."

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  2. Grande Américo! Cuide dessa perna machucada, hein! Rsrsrs

    Obrigado pelo comentário e parabéns por estar lendo Reinaldo Azevedo: ele acerta em quase tudo, menos quando escreve textos como o que você trouxe aqui.

    Apologia é completamente diferente de sarcasmo, deboche, de comentário desnecessário, de piada sem graça. E para ser crime tem que haver dolo...

    Sempre digo que a liberdade de expressão envolve o direito de dizer besteiras e o caso que você citou é um desses: só que o cara só virou réu por se tratar de quem se trata.
    Eu não falaria o comentário sarcástico que ele falou, mas isso não transforma a fala de idiota em criminosa. Até porque o dito parlamentar há anos tenta aprovar a tal "castração química" (ou pena de morte, sei lá) para estupradores.

    Então não faz sentido essa acusação oportunista: na verdade o que se pretende é tirar o cara do cenário político por ter dito uma besteira. Não posso ser favorável a essa "justiça seletiva" que se presta a ajudar a militância a fazer algo que ela não consegue fazer militando...

    É fácil falar que houve crime nessa fala besta dele (ou que existe uma "cultura do estupro" no Brasil, um país onde - na vida real, não na cabeça das feminazistas - ninguém acha tal conduta aceitável e nem bandidos aturam estupradores). Difícil é a fala besta se conectar com o Código Penal sem um quê de militância na ação do Supremo. Foi disso que o texto falou e essa é a minha crítica.

    Mais uma vez obrigado pelo comentário e faça-o sempre: a discordância é algo normal numa democracia.

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  3. Coloquei parte do texto do Azevedo como uma provocação mesmo. Julgo que você deve ser um de seus admiradores. Ver-se que que a direita não se entende. O Tio Rei como vocês o chamam brigando com Bolsonaro e com o outro guru, o Olavo de Carvalho, que briga com o Catacoquinho.

    Com relação a perna, fiz o exame com seu irmão e deu 3,5cm de ruptura do músculo. Ele falou que não foi nada muito grave.

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Então por gentileza identifique-se, não cite nomes de políticos nem de partidos políticos brasileiros, não ofenda ninguém e não faça acusações sem provas.

OBS: convém lembrar que a Constituição proíbe o anonimato. Assim sendo, não há direito algum para quem comenta sem assinar: eu libero ou não o comentário se achar que devo.