Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

terça-feira, 31 de maio de 2016

Não existe "direito de ocupar", mas existe "obrigação de desocupar"


"O hábito de tudo tolerar pode ser a chave de muitos erros e de muitos perigos" é uma frase atualíssima atribuída a Marco Túlio Cícero e consta ter sido proferida no Senado Romano no ano 45 antes de Cristo. 

No Brasil de hoje ainda são toleradas muitas condutas que põem em risco a democracia, apenas porque as pessoas que as praticam dizem estar "exercendo a cidadania" ou coisa que o valha. O que temos visto é a banalização de invasões e ocupações de prédios públicos e ruas por pessoas que inicialmente até estão imbuídas de boas causas, mas que não são de lá retiradas pelas autoridades, prejudicando a toda a sociedade e dando margem a todo tipo de problema em nome de suas reivindicações, que muitas vezes são meros atos políticos travestidos de exercício de direito (se, por exemplo, os manifestantes pró-impeachment estivessem ocupando as ruas ou algum prédio público até hoje, teriam que ser de lá retirados, independente da justeza da causa defendida).

Não pretendo escrever um tratado sobre o instituto da posse, mas o fato é que nem a Constituição nem as leis do país tratam invasão como posseAo contrário, tal conduta é prevista como crime e é por isso que as leis garantem ao proprietário, independente de recurso à Justiça, o direito de defender sua propriedade (o chamado "desforço imediato"), ainda mais quando se trata de imóvel público.  A Constituição prevê:

Art. 5º ....
XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Como a propriedade pública atingirá sua função social se o prédio público estiver ocupado por uma meia dúzia??? Segundo o Código Civil, em artigo de clareza solar:

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.


No Novo Código de Processo Civil:

Art. 555, Parágrafo único.  Pode o autor requerer, ainda, imposição de medida necessária e adequada para:
I - evitar nova turbação ou esbulho;

II - cumprir-se a tutela provisória ou final.

O Código Penal, ao tratar dos crimes contra o patrimônio, tem um capítulo específico sobre a usurpação. Nele está o artigo 161, que trata do crime de "alteração de limites", cujo inciso II prevê o crime de "esbulho possessório":  
        
Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia:
        Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem:
..........
Esbulho possessório
II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.
..........
§ 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

Observe o que prevê o Código Penal: sendo a propriedade particular, o interessado é quem tem que ajuizar a ação. Isso significa que no caso de esbulho em prédios públicos as autoridades são obrigadas a agir, e a questão criminal terá que ser resolvida por iniciativa do Ministério Público através da chamada "ação penal pública incondicionada". Se a ação é incondicionada, é porque a lei entendeu tratar-se de conduta grave e é por isso as pessoas em geral não entendem a absurda leniência do poder público em casos assim.

Chama a atenção o fato de que os defensores das ocupações sempre citam "a Constituição", mas nunca dizem em que artigo está previsto o direito que eles dizem ter... Na verdade isso ocorre tendo por base o errado conceito de que em nome do exercício de liberdade de manifestação do pensamento e/ou do direito de reunião - direitos que de fato existem e que devem ser respeitados pelo Estado - movimentos de ocupação passariam a ter a posse do bem invadido e de lá só poderiam ser obrigados a sair com ordem judicial para a reintegração - como se de posse mansa e branda se tratasse, quando em verdade há apenas turbação e/ou esbulhoPor algum motivo desconhecido as autoridades parecem ter medo de se postar da forma correta e firme contra tais absurdos: tudo tem limite!!!

Quando se trata de escolas, bibliotecas, sedes de órgãos, universidades, etc, o poder público tem a obrigação de liberar o local para o uso da comunidade, o que é bastante simples, até porque é obrigação do governante zelar pelos bens públicos. Evidentemente não precisa haver violência, apenas firmeza na aplicação da lei. Exemplo: sos estudantes que defendem o livre consumo de maconha no campus de uma universidade invadirem a reitoria e/ou salas para protestar, têm que ser de lá retirados, porque não podem atrapalhar o cotidiano da instituição (a imensa maioria do público prejudicado está lá para estudar, não para fumar maconha).

Atualização em 03/06: dois dias depois da publicação desta postagem, por coincidência, a Justiça de Campos determinou a desocupação - em duas horas - das escolas até então ocupadas na cidade. Leia.

NOTA: Não inventei nada nem defendi violência contra estudantes ou coisa que o valha. Nem poderia, por ter sido eu líder estudantil na década de 80. Mas na linha do escrito acima também se posiciona o Conselho Nacional de Justiça (leia); há um interessante e correto parecer da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo sobre o tema, que pode ser lido aqui

NOTA 2: a OAB-SP emitiu nota contra a reintegração pelo Estado sem ordem judicial, mas teve que admitir que o Código Civil protege a propriedade e por isso arranjou um "jeitinho jurídico" para defender o indefensável (aqui).Mas quando os servidores do Judiciário paulista ocuparam fóruns, a OAB foi contra: veja.

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