Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Impeachment é um procedimento político, não jurídico

A doutrina das questões políticas (formulada em 1803 por John Marshall, Juiz da Suprema Corte dos EUA) não foi adotada de forma absoluta no Brasil, como o Supremo Tribunal entende há muito: esse fato, porém, não afasta a regra geral de independência entre os Poderes e é por isso que institutos como o impeachment não podem ser resumidos a questões puramente jurídicas: há limites para a atuação do Judiciário no tocante à atuação dos demais Poderes. O renomado jurista Pedro Lessa, que foi Ministro do STF, já dizia que o domínio das ações do Legislativo - quando não desobedecida a Constituição - o coloca, nesse aspecto, fora da ação do Judiciário.

Não se pode exigir dos membros do Parlamento a mesma imparcialidade que se espera de um Juiz. Da mesma forma não se pode exigir que o julgamento referente à prática de crimes de responsabilidade - feito num procedimento de natureza política, que corre perante um juízo  político e iniciado por questões políticas - seja conduzido como se o Parlamento estivesse a julgar um crime comum.

Assim, se os membros do Parlamento - representantes do povo (e dos Estados) que são - entenderem que há motivo suficiente (fundamento político) para se afastar o Presidente da República em razão da prática de crimes de responsabilidade (fundamento jurídico), assim se deve proceder. Tal é a regra da democracia, porque a sociedade não pode ter compromisso com o erro e sim com o futuro do país. 

Quem quiser pode tecer loas a inexistentes exigências legais de uma suposta tipicidade estrita em relação à prática de crimes de responsabilidade*, mas o fato é que crime comum é diferente de crime de responsabilidade e quem diz que se trata de golpe nada mais faz do que confundir tais institutos, não por ignorância e sim por má-féHá até quem minta compulsivamente repetindo "impeachment sem crime comprovado é golpe", como se não houvesse crise política em curso. 

Mas, se isso é verdade, por que motivo a Constituição da República (art. 85) cita tais condutas apenas em cláusula aberta e não fechada, como se exige para os crimes comuns? Por que razão nossa Lei Maior determina que o julgamento do impeachment se dá no Senado (art. 86) e não no Supremo Tribunal? Por que o Supremo sempre entendeu - e continua a entender - que não pode se manifestar sobre o assunto? Por que o STF não impediu o tal "golpe" e ainda o regulamentou???

Por fim, destaco que ninguém no país está a tentar transformar o impeachment em recall: o que temos visto é simplesmente a aplicação da Constituição e das leis do país. Sobre o tema reafirmo o que disse em setembro passado"instituto político que infelizmente não temos no Brasil é o “recall”, também chamado de “referendo revocatório”: nele o povo é chamado a manifestar-se a respeito da permanência ou não do governante no poder. (...) Houvesse “recall” no Brasil e a saída para a crise poderia ser menos traumática e até mesmo mais democrática, pois de um lado evitaria ações oportunistas e de outro desqualificaria falsas acusações de golpismo, já que o próprio povo faria a escolha sobre uma eventual revogação do mandato."

* Há até pessoas da melhor estirpe que assim agem, por convicção, não por má-fé: é da natureza das coisas.

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