Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Por que a demora no Senado???

Na guerra do Brasil honesto contra os dilapidadores do patrimônio público, o país venceu a primeira batalha, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Não exatamente o previsto pela Constituição, mas sim o determinado pelo Supremo Tribunal, que andou mal ao fazê-lo... mas como já foi batido o martelo sobre a adoção do mesmo procedimento de 1992, não há alternativa: é o que será feito. 

A questão: a Constituição é cristalina ao determinar que com a autorização da Câmara tem que haver processo no Senado. Basta ler:

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

Porém, o Supremo estabeleceu em sessão administrativa no impeachment de Fernando Collor, que  a título de devido processo legal - deve haver uma nova deliberação do Senado sobre o cabimento do impeachment, inclusive com a possibilidade de o Senado não iniciar o processo, algo que além de não estar previsto na Constituição da República, também não existe na Lei dos Crimes de Responsabilidade e nem no Regimento Interno do Senado Federal (arts. 377 a 382). Naquela ocasião o assunto só foi abordado por alto, mas no atual impeachment a questão foi debatida no STF e o rito – inexistente, repito –  foi novamente adotado. Três dos onze Ministros defenderam a tese aqui posta, mas ficaram vencidos (talvez mais por vontade dos demais de não modificar o procedimento usado em 92 do que por questões jurídicas).

A prova do erro está na diferença nas redações dos incisos I e II do parágrafo 1º do artigo 86 da Constituição, que definem quando o Presidente será afastado de suas funções: no primeiro caso, referente a crimes de competência do Supremo, fala em "se recebida a denúncia"; o segundo não usa a expressão "se admitida a acusação pelo Senado" e fala apenas em "após a instauração do processo pelo Senado", exatamente porque não há base constitucional para essa dupla análise: a condição de procedibilidade (juízo de acusação) cabe à Câmara e o julgamento (mérito da causa) cabe ao Senado. Recebido o processo vindo da Câmara e lida a autorização por ela dada deveria ser considerado instaurado o processo, com o afastamento do Presidente por 180 dias. Vejamos:

§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia (...) pelo Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

O fato é que nada em nossa Lei Maior autoriza a conclusão de que deve haver um novo juízo de admissibilidade pelo Senado, após a Câmara já tê-lo feito. e é por isso que essa nova etapa não deveria existir no caso de impeachment do Presidente, pelo simples fato de que a Câmara já autorizou o processo e lá já foi exercido o devido processo legal quanto às formalidades para tanto: no mérito da questão, julgado pelo Senado, aí sim deve haver nova oportunidade de defesa, pronúncia e julgamento, mas nunca uma nova análise sobre o cabimento do processo ou nãoJá em 1992 o então Ministro Sepúlveda Pertence afirmou:

"A autorização da Câmara mantém na Constituição vigente o mesmo drástico efeito da antiga declaração de procedência da acusação, da velha pronúncia do antigo processo do impeachment: o afastamento do Presidente da República. A diferença é formal: antes, o afastamento decorria ipso jure, da pronúncia da Câmara dos Deputados. Hoje, ela ocorrerá tão logo o Senado tenha instaurado o processo, por decisão vinculada à autorização da Câmara".  

O próprio STF já definiu que "os princípios da ampla defesa e do devido processo legal não significam a adoção do melhor dos procedimentos, mas sim que o procedimento incidente, segundo as regras processuais, atenda às referidas garantias constitucionais(HC 86022-SP).

E que prejuízos podem advir disso? 

1 - Em razão dessa invenção jurídica o Senado, por maioria simples (41 Senadores), pode simplesmente arquivar o impeachment aprovado por 2/3 da Câmara, mesmo sem analisar a causa. Repita-se que isso ocorre sem que a Constituição, a Lei ou o Regimento Interno confiram ao órgão tal poder: esse poder quem deu - erradamente - foi o Supremo Tribunal Federal, que manteve a regra inventada em 1992, em vez de corrigir o erro.

2 - Demorando-se mais para instaurar o processo, atrasa-se o efetivo afastamento do Presidente: de fato a Constituição prevê que tal ocorra após o início do processo no Senado, não apenas com a autorização da Câmara. Ocorre que o inciso I do artigo 380 do Regimento Interno do Senado determina que isso ocorra na primeira sessão após o recebimento do processo vindo da Câmara, mas com a "nova regra" o tempo será maior do que o previsto na regra constitucional, estranhamente deixada de lado. 

3 - A indefinição gerada pela demora coloca no Planalto Central o "cadáver insepulto" do governo (expressão cunhada por Felipe Moura Brasil)No impeachment de Fernando Collor a notificação de afastamento foi feita apenas três dias após a votação na Câmara, ocorrida em 29/09/92. Isso ocorreu porque houve celeridade no Senado, embora o procedimento inventado pelo Supremo desse (e dê) margem à protelação: atualmente a expectativa é que o país fique sem governo até 15 de maio...

Há outra questão sendo posta em prática e que até agora não foi notada pela mídia - não uma interpretação e sim uma chicana jurídica - que tratarei em outra ocasião, quando mostrarei o porquê de a defesa fazer tanta questão de dizer que só se pode tratar no Senado daquilo que está na denúncia, como se fosse proibido fazer algum aditamento à mesma...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este é um blog de opiniões.
As postagens não são a tradução da verdade: apenas refletem o pensamento do autor. Os escritos podem agradar ou desagradar a quem lê: nem Jesus Cristo agradou a todos...

Eu publico opiniões contrárias à minha, sem problema algum. A não ser que eu o faça expressamente, o fato de liberar um comentário não quer dizer que eu concorde com o escrito: trata-se apenas de respeito à liberdade de expressão, que muito prezo.

Então por gentileza identifique-se, não cite nomes de políticos nem de partidos políticos brasileiros, não ofenda ninguém e não faça acusações sem provas.

OBS: convém lembrar que a Constituição proíbe o anonimato. Assim sendo, não há direito algum para quem comenta sem assinar: eu libero ou não o comentário se achar que devo.