Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Baioneta não é voto e cachorro não é urna: se o Sul quiser se separar do Brasil, qual o problema?

Bandeira do Movimento "O Sul é o Meu País"
Recentemente tem crescido o número de brasileiros sulistas que dão apoio à causa separatista: grupos de pessoas do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul pretendem declarar a independência do bloco em relação ao Brasil. E com tal crescimento voltam a surgir acusações - como sempre levianas - de que que tal sentimento nacionalista seria baseado em racismo, preconceito, intolerância ou coisa que o valha, como fazem crer setores da imprensa e algumas pessoas que discordam do movimento, cuja representatividade, se não pode ser desprezada, ainda está longe de ser inquestionável.

Na véspera da eleição 2016 foi realizado - extraoficialmente - um plebiscito na região, fato noticiado por grandes jornais como o Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo e pelo SBT. Segundo os organizadores*, mais de seiscentas mil pessoas manifestaram-se a favor da separação, 95% do total. Tudo foi realizado de forma ordeira e não houve qualquer incidente. Seria interessante que junto com a eleição de 2018 os eleitores dos estados do Sul respondessem a um plebiscito sobre a independência: somente com a soberana manifestação popular é possível saber como proceder a respeito.

Em algum momento da história o Uruguai fez parte do Brasil como "Província Cisplatina", mas hoje é um país independente. Sim, não existiam na ocasião os laços nacionais do caso atual, mas querer proibir os estados do Sul de declarar independência é o mesmo que obrigar uma pessoa a permanecer casada contra a própria vontade, apenas porque está escrito na certidão de casamento que assim o é: uma coisa é a união do homem e da mulher visando a criação da família, cuja união se pretende indissolúvel; outra bem diferente é a manutenção desse vínculo contra a vontade de um dos dois.


Interessante notar que muitos dos que reclamam do separatismo sulista e tacham o movimento de ser o que não é, apoiam causas como Palestina em relação a Israel**, Escócia ante Reino Unido e Catalunha versus Espanha (e estranhamente inventam argumentos para tentar anular o Brexit - a saída do Reino Unido da União Europeia), mas negam àquela região o direito de querer cuidar de seu próprio destino, o que é absolutamente legítimo, como também o são os outros casos citados.


Fonte: Gazeta do Povo
Ora, se a maioria dos sulistas achar que eles devem criar um país à parte, por que deveria o resto do país impedir? Certamente alguém citará a Constituição da República - que logo em seu primeiro artigo proíbe a secessão - ou a Lei de Segurança Nacional, que prevê como crime tentar separar parte do território nacional para criar outro país. Convém lembrar, entretanto, que nunca na História um movimento separatista esteve "dentro da lei"...

Mas as verdadeiras questões são: usaremos as Forças Armadas para impedir, à base de baionetas e cães ferozes, que o sul se torne um país? Levaremos à cadeia os líderes do movimento, apenas por manifestarem sua liberdade de pensamento? Manteremos em vigor no Brasil tal liberdade, desde que não se pense em separatismo? Independente de ser o uso da força legalmente possível, negaremos a validade do princípio da autodeterminação dos povos? Alguém pode - sem recorrer a acusações infundadas e argumentos panfletários - negar os argumentos e números apresentados pelos sulistas? Como dizer que o novo país não teria excelentes chances de prosperar

Penso que o Brasil é e deveria permanecer um só, mas não se pode negar que o sentimento nacionalista hoje crescente no Sul decorre não de intolerância para com o resto do país e sim da natureza dos sulistas, que têm uma visão sobre a própria região que é completamente diferente*** da que as outras partes do país têm sobre si mesmas e isso não é de hoje. 

Que o povo do Sul possa escolher seu destino, como um dia nós fizemos em relação aos portugueses.

A frase usada na primeira parte do título da postagem é de autoria de Ulysses Guimarães 
e foi proferida em 13 de maio de 1978, em Salvador - BA.
* Fonte: Oliveira, Sérgio Alves. "Vitória Espetacular no Plebiscito da Independência do Sul". Movimento Sul Livre. Acesso em 19 out 2016.
** Não se pode (e o texto não o fez) comparar o tema aqui abordado com a eterna crise Israel X Palestina, posto tratar-se de situações completamente distintas.
*** Em cinco anos de Exército convivi de perto com muitos sulistas e pude observar a visão que eles têm da região onde vivem e da importância dela para o Brasil.

6 comentários:

  1. Prezado Colega Dr.Marcelo: Ótimo o texto. Estou lhe enviando o artigo a mim atribuido e a sua "continuação",feito após o plebiscito independentista do Sul de 1.10.16.Obrigado p/ atenção.Sérgio A.Oliveira.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nunca imaginei que o autor citado aparecesse para comentar algo aqui. Rsrsrsrs
      Obrigado e boa sorte na sua luta.

      Excluir
  2. O pacto federativo não é um casamento, onde as pessoas, no caso os Estados, estão livres para unir, desunir, e se "casar" com quem quiser; e a União não exerce nenhuma relação de colonialismo com esses Estados, para eles quererem "independência", nem tampouco representam uma nação que não seja a brasileira, não podendo se enquadrar na libertação nacional prevista no Protocolo Adicional I das Convenções de Genebra. Dessa forma o Brasil se transformará em uma porção de mini-países sem haver justificação plausível para tanto.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Filhos não são obrigados a morar com os pais após os 18 anos. Mas eu entendo: nem sempre as metáforas são bem compreendidas.

      Talvez eu tenha uma vaga noção de que o pacto federativo tenha uma natureza diferente do casamento e de que o Sul não representa outra nação...tanto que não escrevi isso e não citei o princípio das nacionalidades (apenas o da autodeterminação dos povos), disse que no caso do Uruguai "não existiam na ocasião os laços nacionais do caso atual" e citei o princípio da proibição de secessão que está em nossa Constituição.

      Não acho que o Brasil deva se transformar em vários "mini-países", mas se for vontade soberana do povo, que assim seja: não ligo.

      Agora: que os sulistas têm uma visão particular sobre eles próprios e o resto do país, isso é fato: eles têm. Mas ninguém é obrigado a concordar.

      Por isso agradeço pelo comentário.

      Excluir
  3. Marcelo.
    Parabenizo-o pela inteligência e objetividade de tuas palavras. E realmente, neste caso, a única coisa que interessa é a vontade da maioria expressa em um plebiscito. E o pior, para a democracia, é ainda ver posturas contrárias ao próprio defendidas por muitos "democratas".
    referendo ou plebiscito. O resto é conversa fiada, mimimi, blá blá e etc. Caio.

    ResponderExcluir
  4. Marcelo.
    Parabenizo-o pela inteligência e objetividade de tuas palavras. Realmente a única coisa que interessa neste caso é vontade da maioria dos cidadãos desta região. O resto é blá blá blá de pessoas que não possuem capacidade mental de entenderem, em pleno século XXI, o que é democracia.

    ResponderExcluir

Este é um blog de opiniões.
As postagens não são a tradução da verdade: apenas refletem o pensamento do autor. Os escritos podem agradar ou desagradar a quem lê: nem Jesus Cristo agradou a todos...

Eu publico opiniões contrárias à minha, sem problema algum. A não ser que eu o faça expressamente, o fato de liberar um comentário não quer dizer que eu concorde com o escrito: trata-se apenas de respeito à liberdade de expressão, que muito prezo.

Então por gentileza identifique-se, não cite nomes de políticos nem de partidos políticos brasileiros, não ofenda ninguém e não faça acusações sem provas.

OBS: convém lembrar que a Constituição proíbe o anonimato. Assim sendo, não há direito algum para quem comenta sem assinar: eu libero ou não o comentário se achar que devo.