Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Pode fazer campanha eleitoral dentro de igreja?

AVISO: não me manifesto sobre casos específicos referentes à propaganda eleitoral em Campos, porque a Zona Eleitoral onde trabalho não tem atribuição para tanto (parte final do art. 2º da Resolução 792/11-TRE/RJ) e porque não me comprometo a dar respostas a qualquer grupo político (quando alguém me pergunta algo apenas dou o telefone da Fiscalização). Assim sendo lembro que sempre falo "em tese" e que esta postagem reflete apenas minha opinião pessoal.

Uma pessoa amiga (cujo nome e cidade não divulgarei) me contou via internet estar revoltada com um líder religioso (cuja denominação não divulgarei) que, segundo essa pessoa, "usou o púlpito para momento eleitoral/espiritual gratuito" e me pergunta se "na justiça dos homens essa atitude se caracteriza crime ou é uma corrupção humana leve".

Daí vem a pergunta do título: pode fazer campanha eleitoral dentro de igreja? Resposta: não, não pode. Curto e grosso assim (fique tranquilo: eu "digo o milagre, mas não digo o nome do santo", motivo para ninguém se ofender nem "vestir a carapuça", ok?).

Nem preciso falar do absurdo de alguém "usar a autoridade que lhe foi dada por Deus" para "abençoar" certos candidatos - todos coincidentemente participantes daquela mesma denominação religiosa - porque isso é tão ridículo que fica evidente. Não, não estou a falar sobre fé, pois cada um tem a sua e não me meto nisso - que fique bem claro: eu apenas acho errado explorar a credulidade das pessoas, que de boa-fé vão a igrejas para tratar de coisas do Divino, não do mundano.

Mas da lei posso falar, como todos podem. No meu caso, gosto de falar e provar. Veja que o inciso III do parágrafo 3º do artigo 39 da Lei 9.504/97 - Lei Eleitoral é claro nesse sentido:

"O funcionamento de alto-falantes ou amplificadores de som (...) somente é permitido entre as oito e as vinte e duas horas, sendo vedados a instalação e o uso daqueles equipamentos em distância inferior a duzentos metros (...) das escolas, bibliotecas públicas, igrejas e teatros, quando em funcionamento".

A Resolução do TSE sobre propaganda eleitoral (Resolução 23.370/12) ao tratar do tema no artigo 9º, § 1º, em relação a igrejas em funcionamento veda "instalação e o uso de alto-falantes ou amplificadores de som em distância inferior a 200 metros, respondendo o infrator, conforme o caso, pelo emprego de processo de propaganda vedada e pelo abuso de poder (Lei nº 9.504/97, art. 39, § 3º, I a III, Código Eleitoral, arts. 222 e 237, e Lei Complementar nº 64/90, art. 22)".

O espírito da lei é, inegavelmente, respeitar as igrejas, como locais sérios que são (ou deveriam ser). Trata-se de norma de ordem pública e por isso não é dado ao responsável pelo culto entender que "dentro da igreja pode" porque ele "autoriza": não pode o particular permitir o que a lei proibiu. Que ninguém diga que se está a ofender a liberdade de culto...

Se alguém ainda tiver dúvida ou não quiser ler nas regras o que elas determinas de forma absolutamente clara ("quem tiver olhos para ver, que veja"), leia o artigo 24 da mesma lei, que em tudo e por tudo segue o espírito acima, sendo o caso tratado como doação para campanha:

"Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

..........
VIII - entidades beneficentes e religiosas".


O artigo seguinte (25) determina:

"O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico."

Que não se diga que é obrigação do religioso "conduzir seu rebanho", porque neste caso estaria ele lidando com as pessoas como se fossem um "curral religioso-eleitoral", não um rebanho na fé . O argumento de que "quem paga os impostos da igreja não é o Juiz" é simplesmente um escárnio, demonstra que quem assim entende não tem qualquer apego à lei e, de tão bizarro, não merece ser analisado.

Eleitoralmente a conduta é ilegal, não há dúvida. Crime só ficará caracterizado, penso, se o pedido de voto ocorrer no dia da eleição. Agora no artigo 39, § 5º da Lei Eleitoral:

"Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:
I - o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata;
II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;
III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos."

O caso envolve também - penso cá com meus botões - questões de ordem ética, que devem ser analisadas, mas não é o caso aqui de tratar desse assunto, por ser demais subjetivo. Mas creio que Darwinn Harnack estava certo ao proferir a frase adiante: 

"É altamente repugnante o comportamento de quem utiliza a fé das pessoas como instrumento de captação de votos."

7 comentários:

  1. Espalhar panfletos pelos ruas da cidades no dia da eleição é crime ou não? Qual a punição se for o caso?

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    1. Claro que é crime.
      A previsão e a pena estão no art. 39 § 5º da Lei Eleitoral, transcrito acima logo após o trecho "agora no artigo 39, § 5º da Lei Eleitoral".

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    2. Se é vedada "qualquer espécie de propaganda"...

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  2. Como então em todas as eleições vemos espalhados por toda a cidade uma grande quantidade de panfletos, principalmente próximos aos locais de votação. De que forma serão punidos esse criminosos se eles nunca aparecem, mas pagam uma equipe para realizar esse tipo de panfletagem criminosa?
    O exercito e a policia irão fiscalizar isso? Porque o exercito deles já estão sendo preparados.

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    1. Estou tentando resolver isso, mas sozinho não consigo nada, porque "uma andorinha só não faz verão".
      Vou continuar tentando.

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  3. por favor Marcelo me responda,sou do REDA da prefeitura e os contratos foram suspensos mas as secretarias mandam agente ficar trabalhando e se faltarmos colocarão faltas e se o recurso for aprovado poderá rescindir o contrato.Se os contratos foram anulados por ordem judicial é para agente continuar trabalhando ou não.

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    1. Não conheço essa ação referente ao REDA, por isso não tenho como me pronunciar.
      Mas lembro que para trabalhar no serviço público é preciso fazer concurso e ser aprovado, exatamente como estão aguardando inúmeras pessoas substituídas... pelo REDA.

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Então por gentileza identifique-se, não cite nomes de políticos nem de partidos políticos brasileiros, não ofenda ninguém e não faça acusações sem provas.

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