Por trabalhar na Justiça Eleitoral, evito citar nomes de políticos e/ou partidos políticos brasileiros (embora eu pudesse fazê-lo sem problema algum, pois sou um cidadão como outro qualquer: o Código de Ética do TRE/RJ não tem vedação nesse sentido, porque o fato de ser servidor público não retira minha liberdade de expressão).

sábado, 20 de abril de 2019

"Casado/namorando/solteiro": os três estados civis do STF


Eis o hit de autoria do filósofo baiano Tierry, gravado pelo grande pensador contemporâneo Wesley Safadão:

"Eu tô casado, namorando, solteiro...Se perguntar por mim, não me viu: tenho três estado civil"


O recente episódio da investigação conduzida pelo Supremo Tribunal Federal "para combater fake news" sem que qualquer órgão ou interessado o solicitasse e sem que eventuais crimes tivessem sido cometidos na sede do Tribunal e, mais, com censura a sites, revistas e páginas pessoais trouxe perplexidade ao País: como poderia uma só instituição investigar, acusar e julgar, se a Revolução Francesa já cuidou disso em 1789???




Regimento Interno do STF, art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro. 

Não ocorreu crime nas dependências do Tribunal e, como nem se sabe se crime houve (a princípio trata-se de liberdade de imprensa e liberdade de expressão), deveria apenas o fato ter sido encaminhado ao Ministério Público, responsável pela ação, segundo a Constituição. Ainda no RISTF:



Art. 230-B. O Tribunal não processará comunicação de crime, encaminhando-a à Procuradoria-Geral da República.

De acordo com a Constituição (art. 102), o Supremo é competente para, dentre outras ações, julgar os Ministros da Corte em caso de crime comum perpetrado pelos mesmos. Eis o que todo mundo sabe: o Judiciário julga - e julga com base na lei, nunca com base em interesses pessoais.

Quando se trata da chamada "ação penal originária" (a que já começa no STF), há sim inquérito, já que a autoridade a ser julgada tem o chamado "foro privilegiado", como se viu no famoso caso do Mensalão: não é essa a função precípua do Tribunal, mas em tal caso é inevitável que um de seus membros esteja à frente, embora quem de fato investigue seja a Polícia Federal. Temos aí outra forma de agir menos famosa, mas igualmente legítima.

O que nunca se viu foi o Tribunal negar à maior autoridade do Ministério Público o arquivamento de um inquérito! Se o dono da ação penal pública é o MP, depois de finalizado o inquérito terá que ser enviado a essa mesma autoridade (PGR) para eventual início de ação penal ou para arquivamento. Mas o arquivamento já foi requerido! No Regimento do STF está escrito:

Art. 231. Apresentada a peça informativa pela autoridade policial, o Relator encaminhará os autos ao Procurador-Geral da República, que terá quinze dias para oferecer a denúncia ou requerer o arquivamento.
.....


§ 4º O Relator tem competência para determinar o arquivamento, quando o requerer o Procurador-Geral da República (...)

Mesmo que se queira justificar o exagero tendo por base a Lei de Segurança Nacional, também esta prevê (art. 30) que em caso de crimes contra os Ministros do Supremo a ação penal é pública e por isso deve ser iniciada pelo Ministério Público. Desta forma, deixar de arquivar um inquérito natimorto só faria sentido se a Corte pudesse  agir como acusador, investigador e juiz ao mesmo tempo! 



Mas não pode, senhores! A ninguém é dado tal proceder, porque ele é incompatível com a honra, a dignidade e o decoro exigidos para o exercício do cargo (art. 39 da Lei do Impeachmente isso é passível de impeachment perante o Senado Federal (art. 52, X, da Constituição)

Assim, evidencia-se que parte do Supremo Tribunal pretende que o órgão exerça funções que não lhe cabem na Constituição, nas leis, no Regimento Interno da Corte e nem na Lógica: não se pode querer tudo, muito menos quando se trata do guardião da Constituição. 

Em suma: da mesma forma que não se pode "acender uma vela para Deus e outra para o diabo" e ninguém pode ter três estados civis, não pode um tribunal investigar, acusar e julgar ninguém... Não sendo assim, será necessário guardar a Constituição de seu guardião!

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